sábado, 20 de agosto de 2011

PAI, O ESTRAGA-PRAZERES NECESSÁRIO



Para apreciar e entender o filme-memória de Terrence Malick  deixe a pressa em casa. Trata-se de um dos mais instigantes filmes em cartaz atualmente, porém que nos exige uma paciência incomum para seu ritmo lento e reflexivo. A estratégia de lançamento da distribuidora em programar sua estréia na semana de comemoração do dia dos pais pode sugerir um daqueles filmes de mensagens edificantes, feitos apenas para cultivar bons sentimentos.
Contudo não nos enganemos,A Árvore da vida não é um filme qualquer, tampouco um filme para qualquer um. Contado a partir de fragmentos de lembranças abertamente parciais e de experiências aparentemente banais, o filme conta ainda com a inspirada atuação de um ator _ Brad Pitt_ que tem provado que é mais do que um nome para blockbusters caça-níqueis. Diferente do padrão do cinema norte-americano, o filme de Malick não faz uso extensivo de diálogos e ambiciona contar uma história com seus furos e mal entendidos partindo de imagens primorosas, trabalhadas detalhe a detalhe. Para tanto, permite-se incríveis viagens visuais, lançando mão de efeitos de computação gráfica para recriar um mundo habitado por dinossauros e um desfile inacabável de cenas de explorações do espaço sideral, do corpo humano e da natureza.  Universo da criação que remete ao Pai, todo-poderoso. Tudo isto, entretanto, faz sentido. Assim é a memória: tem lacunas, partes desconexas e sua montagem segue o padrão alucinatório de uma lógica muito pessoal.
Nesse clima onírico,  A Árvore da vida” fala de temas simples, mas profundamente universais. Sobretudo, o esforço de um homem para fazer-se um pai para seus filhos. Assim, cumprir um ideal paterno num mundo onde este ideal começa a ruir. A obrigação de proteger, de prover, de transmitir valores morais e de confirmar a justiça são gradualmente despedaçadas pela ruptura representada por um mundo em guerra. Nesse fio de navalha, cabe ao pai mostrar a dureza da vida, mas ao mesmo tempo sustentar a necessidade de uma certa preservação da fé na existência, no sentido de estar no mundo e, enfim, conquistar um lugar nele. O desabafo emblemático expresso pela constatação de que não se pode ser muito íntegro para vencer na vida é uma frase que resume bem esse conflito. Endurecer, mas não perder a ternura, diria Chê. Este é a meu ver o dilema do pai. Como transmitir afeto e cumprir a tarefa de dizer como é a vida? Como ser pai e ter a glória do amor que é reservado às mães? Como atuar como interdito e apontar possibilidades?
Embora não faltará quem faça uma leitura religiosa, o propósito de Malick não é conduzir a caminhos redentores, mas sondar as contradições e mexer com as angústias de nosso tempo. Uma de minhas cenas favoritas é a do dinossauro que diante da ameaça de um meio hostil pisa na cabeça de um outro menor (provavelmente sua cria) para imobilizá-lo momentaneamente. A cena é repleta de ambigüidade: trata-se de um ato de amor ou de agressão ? Por esse viés de dubiedade, o papel do pai vacila e se confirma entre a demanda de dedicação incondicional e o imperativo de tornar-se desnecessário. Se os pais de nosso tempo responderem às exigências politicamente corretas de se tornarem maternais, a quem caberá a função de romper com o laço simbiótico que prende mãe e filho?
São questões assim que A Árvore da Vida nos faz pensar. A tarefa de educar em nosso confuso tempo de redefinição de papéis, com seu ritmo lancinante merece um intervalo como este.



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Não é por nada, não e outras introduções.


Certas introduções são realmente assustadoras. Precipitam suicídios ou ataques cardíacos. Refiro-me àqueles preâmbulos que tentam amenizar determinadas notícias ruins. Em muitos casos superam o conteúdo da mensagem no que elas possam inspirar do pior daquilo que foi imaginado.
Quando se ouve, por exemplo, ²você está sentado ?²  É melhor sentar…
Uma frase como essa é capaz de disparar uma seqüência de possibilidades de tragédias que nem programa policial de TV pode noticiar.
Não é fácil mesmo passar uma mensagem negativa. Não raro, todos se negam a fazê-lo. E não há fórmula bem sucedida para esses casos. Além do desagradável conteúdo, também há o problema do ritmo. Existem aqueles que por um excesso de zelo ou puro sadismo preferem dizer o pior de forma lenta:
__ Bem, eu te chamei aqui porque eu tinha algo que queria te contar pessoalmente.(Pausa dramática) Sei que a viagem é longa, mas eu fiquei preocupado em te falar por telefone… (Outra pausa dramática) Como é que está sua saúde? Você está bem? Fez aqueles exames?… (Quinze minutos depois..) Sabe, você não precisa se preocupar com nada,  os seus vizinhos já estão sabendo…  foi sua mulher que pediu que eu te contasse… (Meia hora depois) não quero que você me entenda mal… pode ter certeza que chequei todos os detalhes… já tomamos todas as providências… (Longo suspiro pausado)
A esta altura, o sujeito está desesperado:
__Pelo amor de Deus, fala logo…Seja lá o que for, eu agüento!
_­_ Está bem, sabe aquela sua irmã?
_­_ Que irmã? Eu não tenho irmã!
_­_  Como assim, você não tem irmã?!
_­_  Tá maluco? Eu nunca tive irmã!
_­_  Tem certeza?
_­_  Claro que eu tenho!
___ A Clarinha, não é sua irmã?
___ Não, Clarinha é minha prima!
_­_ Ah, então tenho uma ótima notícia para você: Tá tudo bem com a irmã que você nunca teve. Mas a sua prima…

De um modo geral, todos fazem uso das introduções. Trata-se de um apelo ao Tempo, esse ser consolador que faz tudo se confundir na memória. É a esperança de que  uma espécie de Alzheimer nos acometesse de repente e fizesse o assunto variar para uma ficção qualquer ou um acontecido distante e impessoal.
Difícil é imaginar qual a mais terrível. Uma das que mais me intriga é quando alguém começa com  “não é por nada não…”Embora o interlocutor tente de antemão tirar o corpo fora, “não é por nada não” é uma  confissão de culpa.
 Particularmente, detesto as que começam com ²posso ser sincero? ² A pessoa que recebe essa pergunta fica na dúvida sobre todo tipo de elogio ou manifestação de apreço que recebeu até então…  Algumas evocam uma forçada solidariedade: “Eu não queria te dizer isto, mas…”ou “ antes de mais nada, quero que você saiba que pode contar comigo…² Alguns se apóiam na formalidade para cumprir a triste missão:“lamento informar que…” Há os rapidinhos, que se aproveitam do calor da emoção:
__Só Deus vai poder te pagar essa dívida!
__ Heim!?
Algumas introduções são enigmáticas e tentam fazer das tragédias um jogo de advinhação: “O que você prefere primeiro, a notícia ruim ou a boa?
Há também os que adoram e fazem questão de ser o primeiro a dar a notícia. Certos urubus profissionais não se conformam em dar notícia requentada:
__ Sabe quem morreu?
__ Quem?
__ Tancredo Neves!
__ Mas isso tem muito tempo. Você não sabia?
__ Sabia, é que eu tava sem assunto. Mas a Dilma tem câncer!

Entretanto, precisamos reconhecer que na maior parte das ocasiões as mensagens parecem ser resultado de um esforço honesto em não ferir ou magoar.  Em transmitir uma informação delicada com um mínimo de cuidado.
Mesmo assim, isto talvez não seja suficiente, pois a culpa nem sempre é do portador da mensagem. Para algumas pessoas não há sutileza possível. Diante do inevitável que no fundo já sabiam, parecem tomadas por uma intransponível resistência que lhes emburrece de tal modo que não há eufemismo que possa representar o  detalhe sórdido:
__Escuta, vou te falar claramente, vê se me entende: sua mulher está na zona, eu tenho certeza porque acabei de comer.
Não sei se há treinamento realmente eficiente  para determinados tipos de abordagens. Conta-se com uma suposta sensibilidade dos profissionais, principalmente os da área de saúde. Embora sensibilidade seja um aspecto da vida emocional por definição bastante subjetiva. Já ouvi todo tipo de relato sobre prognósticos sombrios feitos à queima roupa por médicos  . Para estes, a antecipação do desfecho do tratamento é um dado meramente técnico que deve ser informado ao paciente, tal como que dieta saudável seguir nos próximos 6 meses de vida que lhe resta. Fica evidente que muitos de nós perdemos o sentido de finalidade para o qual se destina nosso conhecimento e nossa habilidade técnica.
Há ocasiões que transformam tudo que é dito no efeito de um macaco numa loja de cristais e um simples bom dia pode ser tomado como uma ofensa imperdoável.  Desde de que se inventou que sinceridade é um ótimo pretexto para atropelar a boa educação, muito abuso foi e é cometido.  
É bem provável que este tema desagrade a muitos leitores, mas tenho minhas convicções. De algumas retiro uma fórmula para lidar com assuntos incômodos e difíceis. Não me recuo diante deles. Os assuntos espinhosos são geralmente os que necessitam de mais habilidade para serem ditos. Isto me estimula. Habilidade, afinal, é treino.
 Se desejo uma escrita corajosa que possa desbravar os constrangimentos e ser bem sucedida nos temas mais delicados, eis a minha modesta contribuição. Um exercício pessoal para ocasiões que espero nunca precisar usar na vida prática. Mas sempre que possível, farei piada. O humor é um excelente lubrificante para introduções de qualquer natureza. Ainda que o riso seja tardio ou amargo.