Para aqueles que idealizam um tipo
de TV feita por intelectuais de esquerda sem rabo preso por interesses políticos
ou destinada a pessoas sérias e castas que só pensam em assuntos relevantes,
aquelas que nunca fizeram bobagens na vida e que infelizmente não existem o Big Brother não é mesmo uma
atração que valha a pena assistir.
Para o comum dos mortais _ Zés
Manés, como diria o apresentador Pedro Bial _ só nos resta reconhecer que
assistimos sim ao BBB. No meu caso, além de tudo, confesso que gosto. Consola-me saber que não estou só. Há
mais de 10 anos, a fórmula dos reality
shows, iniciada com o Big Brother, virou uma febre mundial. Faz sucesso em
mais de 40 países e gerou uma série de outros programas baseados em seus
princípios, ou na falta deles.
Para mim, o que fascina nesta
proposta é justamente o que a torna incômoda e arriscada. Refiro-me em tornar a
banalidade do cotidiano nua e imprevisível. Trata-se de uma contenda sutilmente
arquitetada entre o que se manipula
e o que foge ao controle. Óbvio que há muito de combinado neste processo
que vai desde a escolha do, vá lá!, elenco até situações flagrantemente arranjadas com o olhar voltado para os
anunciantes e o gosto da audiência. Entretanto, trata-se também de relações
humanas, o que por si só já significa algo que implica inúmeras
complexidades. Não bastasse esse
elemento explosivo, ainda estão em jogo (literalmente) pessoas envolvidas em um
contexto em que situações extremas testam os limites e as possibilidades de
cada um de uma maneira inteiramente superlativa.
Não é de hoje que as ciências psi vem estudando o comportamento humano
em situações de confinamento. Claro que com outros objetivos, mas não com
métodos tão diferentes assim. Contudo, penso que o que realmente interessa não
é o que é pautado pelos objetivos das emissoras que o exibem, que, aliás, são
muito claros, mas o que se pode ler nas entrelinhas. Acho que a TV, bem como
todo o resto da realidade só se justifica se a lermos fora de sua literalidade.
Este modo de ver TV exige telespectadores qualificados que não se prendem à
qualidade do que é exibido, mas que são capazes de enxergar além do conteúdo
aparente.
A chamada massa ignara que se sente
rebaixada por esse apelo explícito ao prazer escópico, mostrou-se no propalado
caso de estupro muito mais capaz de se posicionar criticamente do que querem
seus candidatos a censores. Embora discorde de suas opiniões, é inegável que o
desenlace das tramas não se dá passivamente, à revelia dos seus principais
interessados. O público manifesta-se ativamente e faz dos temas principais e paralelos
objetos de intenso debate. É assim que a sociedade constrói normas para dilemas
contemporâneos, como o da relação entre segurança e privacidade.
Assim como para esta questão não há
respostas definitivas, também no caso do suposto estupro há muito o que
discutir. Não é possível que se estabeleçam julgamentos sumários baseados
somente no valor normativo sugerido pela imagem do olho mágico de uma câmera de
TV, desqualificando antecedentes e contextualidades. A carga emocional
empregada nos debates travados põe de lado qualquer pretensão de neutralidade
para determinar o destino de alguém que terá que conviver com o estigma e as
conseqüências penais de
estuprador. Daniel, o acusado, pode ser a primeira vítima de um indisfarçável
desejo de vingar-se da emissora
que exibe o programa por seu poderio e seus deslizes políticos no passado.
Por outro lado, o BBB tem cumprido
uma função transversa na confusa auto-estima da população brasileira: todos
desejam mostrar-se melhores ou superiores aos brotheres e suas ambições desavergonhadas. Condenar seus excessos,
e sentir-se justificado para arbitrá-los, contemplando-os dia a dia, virou
mesmo um esporte nacional, o que explica em parte seu sucesso.
Deste modo fica mais fácil lidar
com o angustiante estreitamento dos limites que diferenciam o que somos capazes
de fazer protegidos pelo anonimato e o que fazemos quando estamos sendo
observados. Ou seja, nossos valores introjetados e aqueles expostos à execração
pública. O que o Grande Irmão nos desafia é a assumir posições em público que
nos isentariam no mundo dos Zés Ninguém (ou Manés, tanto faz) Ou ainda,
redefinir os limites que nos preservariam da invasão predatória do Outro em
nossa subjetividade.