domingo, 18 de dezembro de 2011

As dez denúncias do psicanalista Adam Phillips



"Um dos mais influentes psicanalistas da Inglaterra, autor de dez livros e editor da nova tradução da obra de Sigmund Freud (1856-1939), Adam Phillips, 48 anos, mais parece um profeta do que um homem da ciência. Pelo menos essa é a idéia que se tem depois de ler a entrevista que ele concedeu à revista Veja em 12 de março de 2003, “Páginas amarelas”), mas que sete anos depois me parece atualizadíssima as questões arguidas por ele, da qual se extraíram as dez denúncias abaixo numeradas:

1. Hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. É como se o mundo pudesse existir sem essas coisas.

2. A idéia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.

3. Hoje todo mundo fala de sexo, mas ninguém diz nada interessante. É uma conversa estereotipada atrás da outra. Vemos exageros até com crianças, que aprendem danças sensuais e são expostas ao assunto muito cedo. Estamos cada vez mais infelizes e desesperados, com o estilo de vida que levamos.

4. Nos consultórios, qualquer tristeza é chamada de depressão.

5. As crianças entram na corrida pelo sucesso muito cedo e ficam sem tempo para sonhar.

6. No século 14, se as pessoas fossem perguntadas sobre o que queriam da vida, diriam que buscavam a salvação divina. Hoje a resposta é: “ser rico e famoso”. Existe uma espécie de culto que faz com que as pessoas não consigam enxergar o que realmente querem da vida.

7. Os pais criam limites que a cultura não sanciona. Por exemplo: alguns pais tentam controlar a dieta dos filhos, dizendo que é mais saudável comer verduras do que salgadinhos, enquanto as propagandas dão a mensagem diametralmente oposta. O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento sexual dos adolescentes. Muitos pais procuram argumentar que é necessário ter um comportamento responsável enquanto a mídia diz que não há limites.

8. [Precisamos] instruir as crianças a interpretar a cultura em que vivemos, ensiná-las a ser críticas, mostrar que as propagandas não são ordens e devem ser analisadas.

9. Uma coisa precisa ficar clara de uma vez por todas: embora reclamem, as crianças dependem do controle dos adultos. Quando não têm esse controle, sentem-se completamente poderosas, mas ao mesmo tempo perdidas. Hoje há muitos pais com medo dos próprios filhos.

10. Ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer. Os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço, acessível. Deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”. Todos precisam de um espaço para falar e refletir sobre sua vida."

Fonte blog:
http://omundocomoelee.blogspot.com/2010/04/as-dez-denuncias-do-psicanalista-adam.html

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

EM DEFESA DE UM CERTO PRECONCEITO



Sou o primeiro a lamentar quando não posso me aliar a bandeiras políticas tão bem intencionadas como a do “abaixo o preconceito”. Confesso que me constranjo quando tenho que enfrentar a expressão decepcionada de pessoas que me convidam entusiasmadas a fazer parte do último movimento para a salvação do planeta. Sofro por não fazer parte do coro dos contentes e sempre encontro algum problema com as cada vez mais exigentes concessões inerentes à vida em sociedade. Mas me consolo quando vejo pessoas vestindo slogans estampados em camisetas com os dizeres “100% Negro” e coisa e tal, já que pouca coisa supera tal idiotice.
O preconceito é um daqueles eleitos que abarcam todo tipo de execração pública, embora a maioria ainda cultive secretamente um ou outro de estimação. O pior é que ter preconceito de ter preconceito tornou-se quase tão obrigatório quanto o voto  a cada 2 anos no Brasil.
Não estou fazendo qualquer tipo de apologia a ideias racistas ou sexistas, mas acredito que é necessário restituir desse sentimento sua fidelidade de origem. Afinal, aceitar o endosso automático em repugnar o preconceito não seria uma forma de preconceito?
Entendo o preconceito como uma reação natural, resultado de uma informação parcial que se possui sobre algo. Deste modo, se estou numa sala de aula e alguém entrar repentinamente vestido de muçulmano com uma metralhadora na mão, despertará em mim uma cadeia de efeitos fisiológicos tais como uma descarga de adrenalina, causando taquicardia, respiração acelerada, sudorese entre outras_ bem antes que eu me pergunte se vai pegar mal ter as calças borradas por causa de uma avaliação equivocada baseada em valores eurocêntricos.
Isto é preconceito? Sim! Mas, com exceção daqueles que, apesar de todas as evidências, apóiam Fidel Castro e Hugo Chaves, quem é capaz de ter informações isentas e completas sobre tudo? Quem? Portanto, preconceito é um conceito preformado, ainda em fase de elaboração. O que deveria ser a regra da maior parte de nossos conceitos, haja vista a complexidade do mundo atual.
Obviamente que o problema está no modo como tratamos nossas concepções em fase de gestação. Alguns param neste estágio e jamais avançam. Outros são capazes de estabelecer conexões que se não a tornam completa, ao menos a enriquecem. Entretanto, nunca renunciam à dúvida e ao questionamento, caso contrário, nossas concepções se reduziriam à esquemas mentais autoaplicáveis a qualquer situação.
Acredito que para superarmos este enquadramento reducionista que leva ao entendimento pobre da realidade do racismo, por exemplo, baseado em suscetibilidades feridas é necessário pensar em discriminação. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém, mas ninguém está autorizado a discriminar objetivamente com base em suas preferências. Isto é, impedir o acesso ao trabalho, ao lazer, à educação e à  saúde.
No mais, todos somos preconceituosos.






domingo, 23 de outubro de 2011

O Humor e seu veneno

Rindo até cair - Recados e Imagens para orkut, facebook, tumblr e hi5
Rir quase sempre tem um componente trágico de fundo!




Uma piada considerada de mal gosto é necessariamente sem graça?
Eis uma pergunta de diferentes implicações, ou seja, capaz de desencadear perguntas de difícil resolução, embora pareça banal. Há um consenso implícito atual que faz crer que o ato involuntário do riso pode e deve submeter-se a uma espécie de triagem moralizadora que o chancela na categoria do que pode ser engraçado ou não.


Trata-se de mais uma tentativa de domesticação de um impulso, por princípio espontâneo, que coloca o ser humano no fio da navalha entre a natureza e a civilização. É bem verdade que os diferentes tipos de humor sofrem decidida influência da cultura. Há uma forma de rir que é típica do brasileiro (bem como a do carioca, do nordestino,do mineiro etc) e uma modalidade de humor que é reconhecidamente inglesa, a título de exemplo.


A discussão que me interessa fazer, no entanto, é se essa intervenção artificial, proposital e dirigida dos valores culturais consagrados como politicamente corretos não faria de nós um pouco menos humanos ou pessoas sem espontaneidade e alegria, mesmo diante dos infortúnios. Escolher entre civilização e natureza não é uma decisão assim tão pacífica, como nos lembra Freud. O riso é um campo privilegiado da interface entre esses dois mundos.


Das múltiplas indagações que esse tema nos convida (e torna impossível aborda-las todas aqui) uma delas é sobre a natureza da graça. Gosto muito de uma teoria que diz que o riso foi incorporado pelos seres humanos como um hábito observado em certas espécies de macacos. Ele teria começado com a ostentação agressiva da mandíbula diante de uma situação de incômodo ou sinal de insatisfação. Por esta ideia, supõe-se que o riso é uma evolução, e uma forma aprimorada de dissimulação de um mal estar. Por isto, rir quase sempre tem um componente trágico de fundo. É o tropeço inesperado, a vergonha revelada, o ridículo incontrolável e público. A risada serve de consolo e também de provocação. Há algo que sanciona a verdade denunciada ali e, naquele momento, compromete solidariamente todos os que gargalham.


Poderíamos discorrer sobre a variedade do riso (como o sardônico, o de felicidade, o reflexo- motor etc), mas desejo apenas aproveitar o mote sugerido pelo noticiário que repercute a piada de Rafinha Bastos para contribuir com esta modesta reflexão. O humor pode ter efeitos inesperados, mas nunca ingênuos. Ele é malicioso e maledicente. É anárquico, não ordeiro. Irreverente, não respeitoso. É um feito da inteligência humana capaz de, por meio do poder da palavra, fazer sacudir o corpo do interlocutor ou adversário numa convulsão incontrolável.


Se ainda não ficou claro qual é minha posição, manifesto-me, sempre que possível, a favor da liberdade de criação e dos riscos inerentes ao seu exercício. Por isto, não acredito que seja possível ao humor limitar-se a condicionantes que violam sua natureza insubordinada, mesmo que isto custe uma amizade ou outros valores ainda mais caros de nossa civilização.


Portanto, o resultado positivo do mal gosto engraçado de Rafinha é dizer que, sim, ainda há algo a transgredir em nosso tempo. A começar por essa nossa pretensão de liberalidade, acobertando um moralismo enrustido. O que todo esse escarcéu prova é que o humor é mesmo poderoso, porém, há um poder concedido a ele que o ultrapassa. Essa validação de sua verdade só confirma a confissão de culpa. Destitui-lo de um lugar de verdade, como um apelido não revidado que não pega, talvez seja o melhor antídoto contra seu veneno. E a melhor resposta que o humor pode ter é o próprio humor.



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O gás da indignação


O vai-e-vem das decisões judiciais que tem marcado o caso do Condomínio Habitacional Cingapura e do Shopping Norte em São Paulo é mais um daqueles episódios emblemáticos que retratam o modo de funcionamento de um país.
Construídos no terreno de um antigo lixão há cerca de 16 anos, técnicos da Cetesb, revelaram que o acúmulo de gases resultante da decomposição dos resíduos ali aterrados poderiam causar a tragédia de uma explosão. Há pouco menos de um ano das próximas eleições municipais, a repentina vulnerabilidade descoberta gerou uma guerra de pareceres técnicos, cujas interpretações  vão do risco relativo ao desastre iminente.
Num curtíssimo espaço de tempo, novas medições renunciaram ao apocalipse profetizado para uma alternativa politicamente conveniente que prevê a instalação de dutos que drenariam os gases ameaçadores.
É grande o mistério que orienta a formação de convicção dos juízes para a expedição de seus veredictos, a despeito da avaliação dos setores responsáveis,  que garante a atividade lucrativa do sacrossanto templo do consumo freqüentado por milhares de pessoas. Também causa espécie a certeza que mobiliza outras centenas na tentativa desesperada de garantir a permanência em sua moradia num condomínio de classe baixa que solta puns flamejantes __ uma das moradoras afirmou num dos noticiários da TV que nunca viu os tais gases.
A população que, perplexa, observa de longe não sabe onde canalizar sua angústia diante dessas pequenas demonstrações de desrespeito e descaso para com a vida humana. Os diretamente envolvidos têm de optar entre confiar em juízes que na condição de servidores públicos  jamais terão que responder por suas decisões equivocadas  ou em profissionais que não compreendem que sua racionalidade técnica provoca impactos decisivos na vida de gente simples.
Quem sabe se um dia não será a indignação cidadã que explodirá?





quarta-feira, 5 de outubro de 2011

UM TIRO À ESMO NA ESCURIDÃO DO DESEJO

Davi Mota Nogueira ( Reprodução)

Dentre as relações que um objeto estabelece com a linguagem, dois pólos extremos podem ser divisados: o estigma e o simbólico. Nesse vertiginoso e sutil limite estão muitos deles, entre os quais as armas talvez sejam uma sua versão mais corrente.
O episódio que envolveu uma criança de 10 anos que se serviu de uma arma para atirar na professora e por fim a sua própria vida com um tiro na cabeça, representa, a meu ver, muito bem essa estranha relação. Uma arma nas mãos de uma criança tão pequena dificilmente  traria bons resultados, contudo é num certo elemento de autonomia que lhe transcende a condição de mero objeto que me motiva a pensar que algo parece escapar das posições que a asseguram um lugar prefixado e estático, em cuja moldura se recusa a conformar.
Oportunidade inevitável para as campanhas de desarmamento que insistem em repetir o bordão “arma só serve para matar”. Também é ocasião para liberar os significados que atribuímos às coisas mais banais, e que, provavelmente, gostaríamos que se esgotassem em si mesmos. De minha parte, prefiro o ponto de vista de quem não se esquece de que armas também são instrumentos sedutores que remetem ao poder e à sexualidade. Por isso são  considerados símbolos fálicos.
Se a dimensão do estigma é a redução do objeto a um único e limitado significado (morte-violência), a do símbolo é a ampliação de sua referência concreta (poder /sexualidade). Não é à toa que  meninos de todas as idades aspiram o  porte e a ostentação de um objeto que se situa num além de sua instância material. Mostrar a pistola do pai para amigos e ganhar notoriedade e prestígio no jogo da afirmação social significa uma promoção no âmbito da conquista de um lugar de domínio exclusivo daqueles que não são vistos como tolos e certinhos. Assim, o jovem garoto, “bom filho”, “aluno exemplar” e criado num lar de formação evangélica saltou por uns instantes para a complexidade dos  seres humanos providos de contradições e incertezas. As evidências parecem confirmar que nenhum motivo justificaria o acontecido, a não ser a explosão própria da libido. O gozo que, não por acaso, atingiu o quadril da professora foi um tiro à esmo na escuridão do desejo. Um disparo descontrolado na pulsão latejante e febril.
Embora comovente seja a súplica aflita dirigida aos especialistas para uma razão qualquer que nos fizesse reconciliar com a pureza e a ingenuidade que idealizamos nas crianças e o clamor dos jornalistas por um mundo que lhe dê menos trabalho reflexivo, haveremos de reconhecer que, infelizmente, explicações reconfortantes não existem. Um mundo onde tudo estava no seu lugar (crianças de um lado, armas de outro; bandidos na prisão, heróis nos pedestais) deu lugar a um outro, desarrumado e instável.
Quando o lúdico e o mortal se fundem num gesto impensado, há mesmo que tentar recolocar as coisas no lugar, mas a despeito de todas as tentativas de explicação e controle, sempre haverá o humano. Este lado obscuro também nos pertence.

Os pais não encontram explicação

Muito Embora...

Tinha algo para dizer à mulher. Algo que mudaria toda sua vida, e o peso da verdade mortificava sua língua, todo o seu corpo e sua terçã.
Desde quando acordara naquela manhã que uma estranha sensação invadiu-lhe por dentro, misturando-se à lembrança de um odor indefinível e um gosto amargo que teimava em arder sob sua língua. Sim, tinha algo para dizer à mulher. Agora tinha certeza, embora permanecesse vago e sem sentido. Sentiu que suava frio, e seus lábios grossos pareciam feitos de cortiça. Sim, estava lá, ainda uma vez mais. E quanto mais pensava naquilo sentia que enlouquecia, quieto mudo, acuado em seu próprio enigma.
No primeiro dia, tentou fazer de conta que nada o incomodava. Percorreu todo seu itinerário cotidiano como um gato desconfiado e esquivo. De manhã à noite, perscrutou todos os lugares em busca da sutil revelação. Nenhum sinal luminoso, ninguém sequer lhe notou a carranca obscura ou lhe dirigiu qualquer pergunta banal. Ninguém se interessaria em ouvir?
No segundo dia, despertou ainda mais confuso, numa meia manhã encardida. A mesma sensação a lhe roubar o sono, a tranquilidade e o pensar. Imaginou por uns instantes o rosto da mulher estupefato, entre o cansaço de suas pálpebras semicerradas no final do dia e sua inquieta imaginação a construir lógicas imponderáveis, onde tudo sempre recaía na má influência do olhar cobiçoso de alguém. Mas tão logo e o implacável despertador anunciou a hora do trabalho, ordenara-se na posição dos outros seres que cumpriam a mesma liturgia mundana das manhãs. Porém com algo entredentes que lhe assegurava: nunca mais se calaria no vazio de não saber responder, nunca mais deixaria que lhe completassem as frases, nunca mais...
Enquanto apertava parafusos suas certezas se aprofundavam. Tudo girava em torno do mesmo eixo previsível. Era a ela a quem deveria dizer. Não cabia a mais ninguém. Com certeza ela o compreenderia. Fosse como fosse possuía um jeito meigo de se colocar no mundo e sua cosmogonia simplificadora apaziguava e enchia de esperança seu coração.
Era por saber disto que naquele dia deixou-se levar pelos odiados afazeres, apertando parafusos num balé particular, um após o outro numa sucessão infinita para poder sair do trabalho e dizer a ela tudo o que possuía guardado dentro de si _ de algum modo ela o entenderia. Mas as horas permaneciam impassíveis, e cada minuto remoía interminável, gotejando sangue de suas têmporas, enquanto que sob sua língua crescia cristalizada, sua verdade, como um tumor latejante, boiando num mar de saliva e cárie.
Quando criança, vira um pássaro sendo sufocado, homens armados que marchavam indiferentes nos jardins floridos e sóis que mergulhavam sem aviso no fim do horizonte. Sim, já tivera coisas para dizer antes, mas ninguém quis ouvir, daí então esquecera. Mas desta vez não, ninguém o impediria! Ninguém!
De repente  o tiquetaquear do relógio estancou  no minuto final, abrindo no espaço um mutismo cruel, deixando órfão o tique, abandonado o tac, mutilados por um longo vácuo de onomatopéias mudas.
Sim, mas ainda estava lá, agora tomando quase toda sua boca, algo que julgou perdido para sempre. Ainda estava lá, ainda maior e mais forte, recendendo de um núcleo remoto e essencial de dentro de si, volatizando com a pressa dos gases, cobrindo o ar como uma revoada de aves selvagens.
Ainda estava lá, e talvez viesse dela. É isso! Como não havia compreendido  ainda?  Era ele a presa, esse algo que o sufocava falaria à sua revelia, apesar dele. Bastaria deixa-lo vir... E então, sentindo que  latejava  enquanto tentava  respirar com sofreguidão, parou de lutar por um instante, suspirou com resignação com o fio de ar que lhe restava e esperou, pois tinha algo para dizer à mulher...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

10 PROVAS DA MINHA INOCÊNCIA

1.     ACREDITEI NA  POSSIBILIDADE UM MUNDO JUSTO E SOLIDÁRIO, CONCRETIZADO NO IDEAL SOCIALISTA , ATÉ QUE UM CAPITALISTA CUBRIU A A OFERTA 
2.     ACREDITEI NA MINHA MÃE E NA SUA VERSÃO RESSENTIDA DO MEU PAI, PORQUE POUCA COISA É MAIS CONVINCENTE DO QUE O DESAMOR MATERNO
3.     SACRIFIQUEI MEUS INTERESSES PESSOAIS PELO COLETIVO, PORQUE SEMPRE ACHEI QUE ERA ESPECIAL DEMAIS PARA ME MISTURAR COM OS INTERESSEIROS
4.     PROCUREI SER COERENTE O TEMPO TODO, ATÉ ENTENDER QUE SÓ OS QUE TÊM POUCAS IDEIAS CONSEGUEM SEMPRE PENSAR DA MESMA MANEIRA
5.     ACHAVA QUE A COMPETÊNCIA É QUE PREVALECIA SOBRE A BAJULAÇÃO, ATÉ QUE PERCEBI QUE NUNCA FUI PROMOVIDO
6.     ACREDITAVA QUE O SILÊNCIO DIZIA MAIS QUE MIL PALAVRAS, MAS CARECIA DE UM ORADOR PARA EXPLICÁ-LO E COLOCAR PALAVRAS QUE EU NÃO DISSE NA MINHA BOCA
7.     ACREDITEI NA NEUTRALIDADE COMO VALOR PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS, ATÉ QUE TIVE UM REVÓLVER NA MINHA CABEÇA
8.     ACREDITAVA PIAMENTE NA FRAGILIDADE DAS MULHERES, MAS SEMPRE TIVE UMA PREFERÊNCIA PELAS DOMINADORAS.
9.     ACREDITEI QUE OS ÚLTIMOS SERIAM OS PRIMEIROS, ATÉ QUE PERDI O TREM DA MINHA HISTÓRIA
10.  ACREDITEI QUE ERA INOCENTE ATÉ QUE PERCEBI QUE NÃO HÁ INOCÊNCIA, MAS, SIM, ESCOLHAS.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Indicadores de Ignorância


Estudos avançados de nossa ignorância afirmam que 63, 64% de nossas escolas não são capazes de passar no Exame de Ensino Médio. O que significa, portanto é bom explicar, que mais da metade dos estudantes estão abaixo de uma modesta linha de proficiência que lhes permitiria obter os instrumentos necessários para fazer o país avançar de forma consistente rumo às nações desenvolvidas.
Outra tentativa para ser compreendido no meu país: os alunos estão aprendendo menos que o desejável nas escolas. Acho que ainda não deu: tomamos pau no ENEM, galera! Tamos ferrados!
Mais do que   aprimorar nossa habilidade em medir o que é facilmente constatável numa simples conversa com a maior parte dos  estudantes (e também, valei-nos santo das causas impossíveis, os professores) ou aprimorar nossa habilidade em comunicar essa lamentável notícia penso que o importante é transmitir objetivamente porque ter um bom ensino é mesmo rigorosamente indispensável nos dias atuais. Eis uma tarefa realmente difícil, uma vez que só conseguimos fazer avaliações com base em parâmetros observáveis. Por isto os pais, segundo outras pesquisas, se mostram satisfeitos com a qualidade de educação que seus filhos recebem. Óbvio: baseados no que obtiveram, saber ler e escrever e fazer contas simples, mesmo mal, já está bom demais.
Acontece que nossa competitividade é medida segundo padrões internacionais, daí perdemos de lavada.  
Para superar o desnível entre o que a população deseja e a malandragem dos políticos em fazer de conta que está cumprindo com seus deveres provavelmente vai levar tempo. Contudo, cabe aos um pouco mais escolarizados exigir mais e compreender que merecemos entender o que parece insondável na política, na motivação oculta dos governantes, na história, no país. Não pela simplificação reducionista, mas pela informação qualificada que nos permita julgar e intervir em nossa realidade.  Somente se soubermos as regras, poderemos ganhar o jogo.


sábado, 10 de setembro de 2011

O DESENGAJAMENTO POLÍTICO

Um dilema contemporâneo parece ser insistentemente ignorado pelos movimentos de massa. Particularmente os sindicais e de partidos políticos. As reuniões de sindicatos e de partidos de esquerda dão a impressão de um retorno ao passado de uma juventude eterna que se recusa a amadurecer. Toda discussão que é tratada parece confrontar-se com um tema subjacente que indaga estupefato: se nossa causa é tão justa por que não conseguimos o engajamento apaixonado de todos os interessados? Por que nossa convocação de revolucionar o mundo enfrenta tanta indiferença?
As explicações, é claro, existem, e todas se silenciam sobre a condição dos revolucionários, quase sempre tratados como seres providos de uma aura divina que os torna capazes de atravessar os condicionamentos sociais ditados pelo status quo, pelo Sistema ou pela Mídia. Ou seja lá que nome se dê para essa explicação totalizante que justifica a continuidade conservadora.
O fato é que os ideais coletivos, mesmo promovidos numa guerra publicitária insana ainda não parecem em condições de recrutar tantas adesões ou criar transformações consistentes. Ainda que estejamos colocando no bojo campanhas como Criança Esperança, Amigos da Escola, Dia do Voluntário e outras, exemplos de ações coletivas fortemente incentivadas, desde que desprovidas de reflexão politizada, e com a clara intenção de tão somente atenuar o desconforto causado pelas brutais diferenças sociais.
Se o apelo de vidas solitárias tem seduzido ainda mais jovens por todos os lugares, condição segundo a qual alguns especialistas preferem rotular como fobia social., por outro lado, jovens declaram em pesquisa que preferem realizar seus ideais de um mundo melhor a ganhar dinheiro. Mais valeria, a meu ver, perguntar quem pagará pelos custos da transformação social sonhada? E quanto ao celular de marca que fascina tanto essa mesma juventude? E o carro do ano? E o rolé com a namorada? Prevejo que irá sobrar para os pais ou o governo o financiamento do equívoco de imaginar que revoluções são feitas apenas com boas intenções e poderiam dispensar o vil metal.
As manifestações da chamada Primavera Árabe parecem a primeira vista desmentir tal desmotivação e dão novo fôlego a nostalgia dos anos 1960. Contudo uma análise menos afoita sugere que são ações pontuais, num contexto também diferenciado que carecem de uma análise mais aprofundada para sua compreensão, mas não devem passar do que se espera do efeito de uma inércia na forma de rebelião represada há tempos por ditaduras que se impuseram ou permaneceram à força das armas.
O mundo se complexificou em demasia, de tal modo que as tecnologias de dominação se sofisticaram tanto que se tornaram imperceptíveis, e as causas populares insurgentes parecem obdecer a um jogo de cartas marcadas. Penso que diante desse quadro é natural que se pergunte: por que se envolver se já está tudo pronto e acabado? Como deter a apropriação indevida de nossas mais ingênuas utopias?
Ao contrário do ritmo alucinado que as revoluções impõem, caberia pensar nas pequenas transformações cotidianas. Aquelas por meio das quais podemos refletir mais e performar menos. Aquelas que respeitem um pouco nossa limitada capacidade de assimilar as mudanças que vêm quer queiramos ou não.
Acho que a resposta para esses dilemas não está colocada, pois obviamente a solução não está na contemplação solitária do andar da carruagem política. Porém para que as laranjas se ajeitem é preciso fazer algo. Será que faremos?


Hippies nos anos 1960
Passeata no centro de São Paulo, em 16 de abril de 1984. Foto- Jorge H. Singh.






sábado, 20 de agosto de 2011

PAI, O ESTRAGA-PRAZERES NECESSÁRIO



Para apreciar e entender o filme-memória de Terrence Malick  deixe a pressa em casa. Trata-se de um dos mais instigantes filmes em cartaz atualmente, porém que nos exige uma paciência incomum para seu ritmo lento e reflexivo. A estratégia de lançamento da distribuidora em programar sua estréia na semana de comemoração do dia dos pais pode sugerir um daqueles filmes de mensagens edificantes, feitos apenas para cultivar bons sentimentos.
Contudo não nos enganemos,A Árvore da vida não é um filme qualquer, tampouco um filme para qualquer um. Contado a partir de fragmentos de lembranças abertamente parciais e de experiências aparentemente banais, o filme conta ainda com a inspirada atuação de um ator _ Brad Pitt_ que tem provado que é mais do que um nome para blockbusters caça-níqueis. Diferente do padrão do cinema norte-americano, o filme de Malick não faz uso extensivo de diálogos e ambiciona contar uma história com seus furos e mal entendidos partindo de imagens primorosas, trabalhadas detalhe a detalhe. Para tanto, permite-se incríveis viagens visuais, lançando mão de efeitos de computação gráfica para recriar um mundo habitado por dinossauros e um desfile inacabável de cenas de explorações do espaço sideral, do corpo humano e da natureza.  Universo da criação que remete ao Pai, todo-poderoso. Tudo isto, entretanto, faz sentido. Assim é a memória: tem lacunas, partes desconexas e sua montagem segue o padrão alucinatório de uma lógica muito pessoal.
Nesse clima onírico,  A Árvore da vida” fala de temas simples, mas profundamente universais. Sobretudo, o esforço de um homem para fazer-se um pai para seus filhos. Assim, cumprir um ideal paterno num mundo onde este ideal começa a ruir. A obrigação de proteger, de prover, de transmitir valores morais e de confirmar a justiça são gradualmente despedaçadas pela ruptura representada por um mundo em guerra. Nesse fio de navalha, cabe ao pai mostrar a dureza da vida, mas ao mesmo tempo sustentar a necessidade de uma certa preservação da fé na existência, no sentido de estar no mundo e, enfim, conquistar um lugar nele. O desabafo emblemático expresso pela constatação de que não se pode ser muito íntegro para vencer na vida é uma frase que resume bem esse conflito. Endurecer, mas não perder a ternura, diria Chê. Este é a meu ver o dilema do pai. Como transmitir afeto e cumprir a tarefa de dizer como é a vida? Como ser pai e ter a glória do amor que é reservado às mães? Como atuar como interdito e apontar possibilidades?
Embora não faltará quem faça uma leitura religiosa, o propósito de Malick não é conduzir a caminhos redentores, mas sondar as contradições e mexer com as angústias de nosso tempo. Uma de minhas cenas favoritas é a do dinossauro que diante da ameaça de um meio hostil pisa na cabeça de um outro menor (provavelmente sua cria) para imobilizá-lo momentaneamente. A cena é repleta de ambigüidade: trata-se de um ato de amor ou de agressão ? Por esse viés de dubiedade, o papel do pai vacila e se confirma entre a demanda de dedicação incondicional e o imperativo de tornar-se desnecessário. Se os pais de nosso tempo responderem às exigências politicamente corretas de se tornarem maternais, a quem caberá a função de romper com o laço simbiótico que prende mãe e filho?
São questões assim que A Árvore da Vida nos faz pensar. A tarefa de educar em nosso confuso tempo de redefinição de papéis, com seu ritmo lancinante merece um intervalo como este.



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Não é por nada, não e outras introduções.


Certas introduções são realmente assustadoras. Precipitam suicídios ou ataques cardíacos. Refiro-me àqueles preâmbulos que tentam amenizar determinadas notícias ruins. Em muitos casos superam o conteúdo da mensagem no que elas possam inspirar do pior daquilo que foi imaginado.
Quando se ouve, por exemplo, ²você está sentado ?²  É melhor sentar…
Uma frase como essa é capaz de disparar uma seqüência de possibilidades de tragédias que nem programa policial de TV pode noticiar.
Não é fácil mesmo passar uma mensagem negativa. Não raro, todos se negam a fazê-lo. E não há fórmula bem sucedida para esses casos. Além do desagradável conteúdo, também há o problema do ritmo. Existem aqueles que por um excesso de zelo ou puro sadismo preferem dizer o pior de forma lenta:
__ Bem, eu te chamei aqui porque eu tinha algo que queria te contar pessoalmente.(Pausa dramática) Sei que a viagem é longa, mas eu fiquei preocupado em te falar por telefone… (Outra pausa dramática) Como é que está sua saúde? Você está bem? Fez aqueles exames?… (Quinze minutos depois..) Sabe, você não precisa se preocupar com nada,  os seus vizinhos já estão sabendo…  foi sua mulher que pediu que eu te contasse… (Meia hora depois) não quero que você me entenda mal… pode ter certeza que chequei todos os detalhes… já tomamos todas as providências… (Longo suspiro pausado)
A esta altura, o sujeito está desesperado:
__Pelo amor de Deus, fala logo…Seja lá o que for, eu agüento!
_­_ Está bem, sabe aquela sua irmã?
_­_ Que irmã? Eu não tenho irmã!
_­_  Como assim, você não tem irmã?!
_­_  Tá maluco? Eu nunca tive irmã!
_­_  Tem certeza?
_­_  Claro que eu tenho!
___ A Clarinha, não é sua irmã?
___ Não, Clarinha é minha prima!
_­_ Ah, então tenho uma ótima notícia para você: Tá tudo bem com a irmã que você nunca teve. Mas a sua prima…

De um modo geral, todos fazem uso das introduções. Trata-se de um apelo ao Tempo, esse ser consolador que faz tudo se confundir na memória. É a esperança de que  uma espécie de Alzheimer nos acometesse de repente e fizesse o assunto variar para uma ficção qualquer ou um acontecido distante e impessoal.
Difícil é imaginar qual a mais terrível. Uma das que mais me intriga é quando alguém começa com  “não é por nada não…”Embora o interlocutor tente de antemão tirar o corpo fora, “não é por nada não” é uma  confissão de culpa.
 Particularmente, detesto as que começam com ²posso ser sincero? ² A pessoa que recebe essa pergunta fica na dúvida sobre todo tipo de elogio ou manifestação de apreço que recebeu até então…  Algumas evocam uma forçada solidariedade: “Eu não queria te dizer isto, mas…”ou “ antes de mais nada, quero que você saiba que pode contar comigo…² Alguns se apóiam na formalidade para cumprir a triste missão:“lamento informar que…” Há os rapidinhos, que se aproveitam do calor da emoção:
__Só Deus vai poder te pagar essa dívida!
__ Heim!?
Algumas introduções são enigmáticas e tentam fazer das tragédias um jogo de advinhação: “O que você prefere primeiro, a notícia ruim ou a boa?
Há também os que adoram e fazem questão de ser o primeiro a dar a notícia. Certos urubus profissionais não se conformam em dar notícia requentada:
__ Sabe quem morreu?
__ Quem?
__ Tancredo Neves!
__ Mas isso tem muito tempo. Você não sabia?
__ Sabia, é que eu tava sem assunto. Mas a Dilma tem câncer!

Entretanto, precisamos reconhecer que na maior parte das ocasiões as mensagens parecem ser resultado de um esforço honesto em não ferir ou magoar.  Em transmitir uma informação delicada com um mínimo de cuidado.
Mesmo assim, isto talvez não seja suficiente, pois a culpa nem sempre é do portador da mensagem. Para algumas pessoas não há sutileza possível. Diante do inevitável que no fundo já sabiam, parecem tomadas por uma intransponível resistência que lhes emburrece de tal modo que não há eufemismo que possa representar o  detalhe sórdido:
__Escuta, vou te falar claramente, vê se me entende: sua mulher está na zona, eu tenho certeza porque acabei de comer.
Não sei se há treinamento realmente eficiente  para determinados tipos de abordagens. Conta-se com uma suposta sensibilidade dos profissionais, principalmente os da área de saúde. Embora sensibilidade seja um aspecto da vida emocional por definição bastante subjetiva. Já ouvi todo tipo de relato sobre prognósticos sombrios feitos à queima roupa por médicos  . Para estes, a antecipação do desfecho do tratamento é um dado meramente técnico que deve ser informado ao paciente, tal como que dieta saudável seguir nos próximos 6 meses de vida que lhe resta. Fica evidente que muitos de nós perdemos o sentido de finalidade para o qual se destina nosso conhecimento e nossa habilidade técnica.
Há ocasiões que transformam tudo que é dito no efeito de um macaco numa loja de cristais e um simples bom dia pode ser tomado como uma ofensa imperdoável.  Desde de que se inventou que sinceridade é um ótimo pretexto para atropelar a boa educação, muito abuso foi e é cometido.  
É bem provável que este tema desagrade a muitos leitores, mas tenho minhas convicções. De algumas retiro uma fórmula para lidar com assuntos incômodos e difíceis. Não me recuo diante deles. Os assuntos espinhosos são geralmente os que necessitam de mais habilidade para serem ditos. Isto me estimula. Habilidade, afinal, é treino.
 Se desejo uma escrita corajosa que possa desbravar os constrangimentos e ser bem sucedida nos temas mais delicados, eis a minha modesta contribuição. Um exercício pessoal para ocasiões que espero nunca precisar usar na vida prática. Mas sempre que possível, farei piada. O humor é um excelente lubrificante para introduções de qualquer natureza. Ainda que o riso seja tardio ou amargo.


domingo, 24 de julho de 2011

Vocação


A professora iniciante começou a substituição naquele dia. Aquele maldito dia quente como o diabo. Mais um daqueles dias em que um bando de meninos pobres e barulhentos empesteariam o ar com seus boduns e gritaria.  Um daqueles muitos dias infernais que se sucederiam inacabáveis, pensou ela.
__ Senta menino e tire o dedo do nariz!, gritou num franzir de testa repentino, entre um sorriso angelical e outro.
__ Não, não quero seu lanchinho, já disse! Confirmou entre os dentes cerrados, afastando da boca o pirulito que lhe melou o queixo.
__ Agora ninguém vai poder ir ao banheiro! Grunhiu do meio da algazarra.
Maldita a hora em que teve a ideia de pedir bilhetes de boas vindas. Começou com uma enxurrada de coraçõezinhos pintados de vermelho. Depois formou-se uma fila para beijinhos melequentos. Logo em seguida, uma roda de abraços e pedidos de parabéns por escrito.
Precisava do dinheiro, mas a professorinha odiava o ofício, tal como lhe havia sido apresentado quando era aluna. E ainda mais tal como lhe prometia  aquele começo. Não suportava que lhe chamassem de tia, mas achava que iria se impor aos poucos, na devida oportunidade. Ali pareceu-lhe cruel e despropositado combater tanta afeição gratuita. Foi educada assim, para ceder diante de qualquer um que lhe demonstrasse um naco qualquer de  atenção.
__Não pode puxar o cabelo da coleguinha!, beliscou o gorducho que implicava com a menina chorona de cabelos ruivos. Foi então que plaft! Sua bolsa se estatelou no chão num estrondo de calar meio mundo. Até crianças de pré-escola. Espelhinho para lá, baton pra cá. Carteira magra cheia de moedas para todo lado. Mais festa para os anões-foliões. No meio do mosaico de sua pobreza involuntariamente exposta, um papel amarfanhado e roto chamou sua atenção. Abri-o e leu estupefada: Caraio, vai tomar no cú, fessora!
Engoliu em seco e, de soslaio, observou tentando descobrir como aquilo tinha chegado ali. Se algum aluno teria escrito. Foi quando viu do fundo da sala um negrinho retinto como piche e olhos enormes que a olhavam num tom entre o aflito e o orgulhoso. Como se fosse uma alucinação no caos. Como um amuleto humano esquecido no tempo.
Sem saber o que diria, reparou de novo no bilhete, comparando a escrita e a criatura. Desta vez, notou a letra errática. As palavras escolhidas e uma grafia surpreendentemente adulta. Percebeu que o menino sabia ler e escrever.
Então perguntou, quase sem pensar: o que é caraio?
O menino abriu um sorriso que iluminou seu rosto com fogo. E um vento tépido atravessou os dois e os envolveu.
 Havia começado ali uma inesperada vocação.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Motivos para Pânico fora da TV

Ultima foto de Ryan Dunn postada no Twitter


O nome do dublê e integrante do elenco da série de filmes “Jackass” chamou minha atenção há cerca de 2 semanas.  Li nos noticiários que ele havia falecido num acidente de carro pouco tempo depois de ter postado em seu Twitter uma foto em que bebia num bar na companhia de outros dois amigos. O termo acidente talvez  não seja muito apropriado se pensarmos na acepção de algo inesperado. A vida de um dublê significa desafiar o perigo de forma permanente.




No caso de Ryan Dunn  -este era seu nome - ele e sua trupe fizeram dessa forma de duelo  mortal com o bom senso um estilo de vida.  Ou de morte.  A primeira vez que os vi em ação foi no primeiro filme da série que se tornou um fenômeno de bilheteria nos EUA e no resto do mundo. 

Tratava-se de uma sequencia de mal gosto de cenas de ação em que os protagonistas submetiam-se, por vontade própria, a todo tipo de provas de resistência em  que os pontos altos eram  situações repetidas de quedas, colisões e pequenas automutilações.

“Brincadeiras” do tipo grampear o próprio saco na perna, deixar-se despencar morro abaixo de dentro de um carrinho de mão, além de ser coberto de merda preso num banheiro químico içado por um caminhão guincho são alguns exemplos de suas ações que fizeram as platéias ( e eles mesmos) contorcerem-se em gargalhadas mundo afora.

Embora pareça a expressão de um tipo de hostilidade contemporânea, em que estudantes fuzilam seus colegas em escolas, o fenômeno não é novo. O seriado clássico “Os Três Patetas, para ficar somente num exemplo, exibe há décadas com sucesso cenas dos três protagonistas estapeando-se e metendo os dedos nos olhos uns dos outros para a diversão ingênua de audiências familiares. Nos dois casos, há uma certa apologia da estupidez - - Jackass é um termo em inglês que significa idiota, estúpido, cara-de-pau ou similares. 


Poderíamos pensar numa forma de expiação sem causa aparente, numa época em que os valores que impingiam culpa parecem irremediavelmente desacreditados. A única referência de verdade é o corpo. Nele se depositam ou sobrevivem os restos precários de um simbólico que se esvaiu no concreto absoluto de nossa existência monetarizada. Assim, da tatuagem à escarificação é o corpo que é chamado a testemunhar os argumentos do viver que antes eram expressos pela religião, pelas artes ou pela moral.

Que os idiotas -que, diga-se de passagem,  sempre foram muito bem representados em todos os segmentos sociais, como no mundo das artes, da política, da religião e até mesmo da academia -  queiram ganhar a vida fazendo de suas mazelas motivo de riso não me surpreende.  Preocupante é que hoje são capazes de convocar uma legião de seguidores desiludidos com a racionalidade e suas promessas de redenção.

Se os derivados, inclusive os nacionais, como o Programa “Pânico na TV” se limitassem ao deboche das instituições e convencionalismos, tais como  a vaidade das celebridades e intelectuais, a roubalheira dos políticos etc, acho que lograríamos um passo a frente em nossa capacidade crítica.  Entretanto, o que de fato parece ter mobilizado  mais admiração é esse apêlo para uma pausa na razão ou a reivindicação do direito sagrado a ser estúpido, insensato ou simplesmente irresponsável. Ainda que por um tempo determinado.


O filme de Lars Von Trier, de 1996, “Os Idiotas”, captou de forma profética o fenômeno que agora parece consagrar-se fora das telas de cinema e imagens de TV. Para que a juventude possa sair da obscuridade de dublês que colocam o corpo no lugar de outros que realmente lucram com seu gozo masoquista a serviço de nosso sadismo, creio que valeria a pena pensar que projeto a sociedade reservou para os jovens.

Tomara que este intervalo na razão (será que podemos chamar de loucura?) seja tão curto quanto a vida de Ryan Dunn, morto precocemente aos 34 anos.






segunda-feira, 27 de junho de 2011

Vagabundas, Pessoas Diferenciadas e o conceito de raça.

CHURRASCO DA GENTE DIFERENCIADA

SLUT WALK NO CANADÁ

No último dia 27 de maio teve lugar no Brasil a exemplo do que ocorreu em várias partes do mundo a ”Marcha das Vagabundas”. Ou Slut Walk, como certamente pareceu soar melhor para as moças de boa família ao justificarem para seus pais desavisados sobre onde estavam. No dia 14 do mesmo mês a batata assou no “Churrasco da Gente Diferenciada” no bairro de Higienópolis em São Paulo, Capital.
O que há de comum entre essas duas formas legítimas de manifestação popular é que elas foram desencadeadas pela palavra de um Outro, colocado no lugar de uma representatividade que talvez não tivesse escolhido. Ou sequer sonhasse ocupar. Neste lugar acidental,  capturado por uma fina trama de significados, despertaram da habitual indiferença, fazendo  convergir  os mais profundos sentimentos de indignação aqueles que motivados por uma cada vez mais estranha e rara identificação acharam oportunidade de se colocar na posição de ordem unida.
Segundo relata a imprensa, a sugestão infeliz de um policial canadense, provável aspirante a comentarista de moda, deu origem ao nome da marcha ao associar a vestimenta das mulheres às razões dos casos de estupro. Em higienópolis, uma moradora  da quatrocentona cidade paulista nomeou de gente diferenciada os frequentadores do metrô que seria construído nas imediações.
Do mesmo modo o conceito de racismo parece destinado a ressucitar o fantasma de uma teoria equivocada construída por Outros, capazes de legitimar seus preconceitos e disseminar um pretexto tolo para exclusão.
O fato de que façam de uma real condição de insignificância ultrapassar a mera fortuidade de uma palavra leviana é mais um dos perigos de nosso tempo. Há quem diga que ameaça a espontaneidade e o humor. Reconheço, porém,  na artimanha  que faz  torcer as palavras a favor de objetivos que parecem nobres certa semente do que é combatido.
Por isto mesmo, não sejamos ingênuos, a palavra ainda tem força, mas não garante que unidos venceremos.




quinta-feira, 16 de junho de 2011

O PARADOXO DO DESAFIO

Detesto desafios! Mas antes que essa declaração pública me custe algumas promoções, explico que eu os detesto porque eles me fascinam de tal modo que me dominam. Um amigo meu costuma dizer que se você deseja forçar alguém a fazer determinada coisa que ninguém quer basta dizer que duvida que ele faça. Nos dias de hoje em que conta pontos no emprego o discurso de adoração das dificuldades representadas pelo apelido de desafio  insisto em dizer que é a preguiça a mãe de todas as invenções. Por isto inventou-se o carro, a máquina de lavar louças e, provavelmente, até a bomba atômica. Portanto, o verdadeiro desafio é continuar no ócio.
Tudo bem, reconheço que as dificuldades  tornam a vida mais interessante, mas quem deseja uma  vida tão cheia de problemas que não se pode usufruir dela ? Em geral uma biografia que vale a pena ser contada só o é do ponto de vista do leitor. Para o biografado foi sofrimento e exaustão. Em outras palavras, quem suportaria viver uma vida “interessante” o tempo todo? O que estou tentando dizer é que o que é interessante só o é porque é ocasional. Por que nos assalta num dia morno e pachorrento fazendo com que a gente se interesse por se levantar da cama e pensar obsessivamente o dia todo em voltar para ela pelo maior tempo possível.
Em resumo, prefiro as facilidades e atribuo boa parte dos que cultivam as dificuldades a uma espécie de desinformação para com os esforços de antepassados que queimaram a pestana para dar a si próprios e a seus sucessores algum conforto e tranquilidade.
Algumas pessoas quando inovam em determinado campo muitas vezes não se dão conta do que representa sua ação. Talvez se  percebessem  suas delicadas nuances certamente não  fariam  o que fizeram. Não se trata de nenhum modo da forma clássica do conceito de alienação. Tampouco estou sugerindo que os pioneiros que agem assim possuem uma boa dose de falta de noção. Mesmo porque em muitos casos a atitude desbravadora foi justamente aquela que contribuiu  para ampliar a capacidade de percepção social de abordagens que em determinado momento histórico pareciam incompreensíveis ou  insuportáveis.
Tal limitação perceptiva de algum modo cria condições subjetivas que favorecem sensações de  desprendimento e forte convicção diante de situações incertas e cheias de  adversidades. Contudo não exime  seus  portadores das eventuais consequências do que, em outras circunstâncias, não hesitariam em nomear como  insanidade. Em muitos casos a este excesso de confiança  podem ser debitadas ao menos enormes controvérsias sem nenhum resultado prático. Ou simplesmente fatalidades irreversíveis.
Fato é que tais situações são raras para a maior parte das pessoas. Com outras, nem tanto. Contudo, é justamente a tentativa de perpetuar o caráter de excepcionalidade desses momentos especiais em que parecemos inspirados por uma chama divina que nos faz persistir. Apreender essa chama dentro de nossos corações é daquelas utopias consoladoras que nos fazem teimosamente avançar em projetos maiores do que nossas pernas. Mandamos às favas o bom senso para nos convencer de possibilidades além da imaginação.
E por incrível que pareça, por esse caminho improvável, alguns obtêm êxitos assombrosos.
Maria Mazzarelo é um desses exemplos inspiradores, cujo modo de agir no mundo atravessou obstáculos que intimidariam a maioria de nós, simples mortais. A proprietária da MazzaEdições, pioneira na publicação de livros voltados para a divulgação de conteúdo de debate do racismo e disseminação de valores da cultura afrobrasileira, é uma senhora negra, franzina e pequena que desdenhou os prognósticos mais realistas para construir um caminho próprio, feito de dignidade e afirmação de suas mais íntimas convicções.

Ao contrariar as expectativas de um futuro que repetiria a trajetória de subalternidade e fracasso que caracteriza a história do negro brasileiro, a Mazza Edições elevou a luta anti-racismo a um patamar superior, ao começar do exemplo de sua própria fundadora.
Ao completar 30 anos no mês de maio passado, Mazza consagra-se para  mim e outros que também a admiram como um modelo daquilo que queremos ser. Não sei se o tempo me fará repensar minhas opções atuais como loucuras ou vitórias, contudo,  fica minha homenagem aqueles que transformaram pessoas como eu em pioneiros de uma condição social ainda muito longe do que sonharam, mas bastante diferente do que herdaram.
O que podemos fazer com heranças valiosas como essas é, obviamente, muito mais que puxar um ronco e dormir acomodados com nossas desculpas pacificadoras e paralisantes. O paradoxo que pessoas como Mazzarelo nos ensina é que desafios  servem para atrapalhar nossos sonos, mas também para nos fazer sonhar.