No filme de João Jardim, “Pro Dia Nascer Feliz” (Tambellini
filmes, 2007), não fica inteiramente clara a intenção da escolha deste sugestivo
título. A meu ver, é por esta lacuna que justamente caminha o filme, num
cenário corrompido por algo que circula em torno de uma frustração fundamental.
Nele vão ser repercutidas as amarguras das promessas não cumpridas de um futuro
triunfante para as crianças e os adolescentes . Promessas estas feitas em nome
da Educação.
Na fala do diretor em uma entrevista, ele revela:
A letra
de Cazuza, “Pro dia nascer feliz, essa é a vida que eu quis”, (teve) a
intenção de alertar-nos sobre o destino daqueles jovens que não terão a vida
que queriam ter. “O filme tenta
jogar um pouco de luz nessa questão de como o jovem se comporta dentro da
escola, não apenas em relação aos professores, mas também em relação aos
colegas e a esse momento intenso em que vive, num mundo extremamente violento e
com poucas oportunidades” , afirma o
diretor. (Michel , Delphine em http://www.pstu.org.br/node/12276)
Em contrate com a desilusão de uma escola ideal, uma escola cheia de furos, tal como a
inquietação da juventude. No meio desse
cipoal de problemas, o professor aparece como o arauto de uma notícia ruim que
ele tenta de carregar nas costas.
Expresso na palavras da Professora Celsa de uma escola de
Itaquaquecetuba, retratada no filme, ao tentar justificar o alto índice de
absenteísmo entre os colegas:
“Eu falto por cansaço (...) a carga física e
moral é maior do que o ser humano pode suportar (...), você se envolve, mas nem
sempre tem retorno. O professor perdeu a dignidade (...) e o Estado deixa tudo
jogado. Todo mundo está cansado de ouvir os problemas da Educação, mas ninguém
faz nada.
Este lugar de portador de
uma notícia desalentadora sobre o futuro não é apenas pouco confortável, mas
também se torna alvo e símbolo das inúmeros desencantos que fazem da escola um
ambiente ainda mais desestimulante, violento e nada educativo. Desilusão é uma
armadilha de quem promete mais do que pode dar. Entretanto, fica a pergunta:
essa promessa é de quem? Não é a do profissional
da educação. Tampouco dos alunos que
compartilham de seu desesperançado futuro. Mesmo quando, de sua
perspectiva, sentem o futuro como uma
abstração ancorada num porvir fugidio e
improvável. Daí o que lhes é oferecido como modelo é algo que poderia
ser formulado da seguinte maneira: “estudem bastante para ser como nós
professores, mal pagos e frustrados”.
Se é assim, vale tudo: Keila,
no filme conta que via o suicídio como uma saída possível; outra acredita que
esfaquear a colega é uma alternativa de diálogo aceitável porque inimputável.
Por aí vai.
Não me parece que a educação que os alunos ali recebiam
fosse acrítica ou despolitizada. Tanto na escola do interior de Pernambuco até
na mais estruturada escola de São Paulo. Nem creio que fosse por injunção do
efeito da câmera de cinema a registrar tudo e a desencadear discursos que se
pretendem inteligentes por parte dos professores. Havia em cada ensinamento um
ponto a misturar o diagnóstico dos problemas com uma justificativa conformada
deles. Não é que não tivessem razão, entretanto, parece haver uma disjunção
profunda entre teoria e ação. A crítica social não encontra na práxis educativa
uma continuidade verdadeira.
Na escola de Santa Cruz em S. Paulo um depoimento
emblemático ilustra bem esta contradição para além das diferenças sociais
marcadas quando uma aluna fala de sua preocupação com os pobres, ao mesmo tempo
em que justifica sua falta de ação concreta para mudar tal realidade porque não
poderia abandonar seus compromissos com as aulas de natação, yoga entre outras
atividades. Também os professores poderiam se identificar com esse discurso:
não dá pra mudar nada porque tenho contas a pagar e família para cuidar.
Num mundo cercado de
objetos para consumo e gozo que o Capitalismo oferece por atacado o discurso
social é apenas mais um deles. Afinal, nenhuma das questões retratadas no filme
são novidade. A novidade talvez fosse estas questões se descobrirem tão
cinematográficas.
Deste modo, se fizermos um
levantamento atualizado da situação da educação atual provavelmente
constataríamos que após mais de 10 anos e muitos governos depois da filmagens
pouca coisa mudou. Ao professor se espera que continue sendo um fiel
depositário de um compromisso de quem não tem compromisso. A violência, a
precariedade dos recursos, a busca pelo adolescente de um outro sentido para a
vida, a sofrimento de existir num mundo tão injusto, a explosão hormonal da
adolescência, o encontro com o real do sexo, o medo de se tornar adulto, o
descontrole que o talento instaura, tudo isto continua passando ao largo dos
planos de educação.
Hoje, talvez outros
adolescentes lancem mão de meios mais contemporâneos para expressar as velhas
angústias. Na maior parte das vezes o desejo de mudança dá lugar a acordos
possíveis, tais como o “Finjo que ensino, você finge que aprende”. Porém ainda
não há efetivamente ninguém que ouse sustentar um ponto de ruptura que promova a transformação de verdade.