sábado, 30 de abril de 2011

A promotora atriz e o psiquiatra diretor

A promotora pública Debora Guerner revelou-se uma atriz talentosa ao simular distúrbios psiquiátricos durante as audiências em que era julgada pelo envolvimento no mensalão do DEM.
Para atingir um grau elevado de excelência valeu-se de um qualificado diretor de atores,
ou melhor, o psiquiatra paulista Luis Altenfelder da Silva Filho.
A carreira de ambos tropeçou num percalço inusitado para a profissão: tornou-se pública, por meio da divulgação da filmagem instalada em sua própria casa. Estampou as manchetes de jornais, ganhou chamadas de destaque no mais assistido noticiário de rede nacional, foi um dos assuntos mais comentados durante a semana.
O que para a maioria dos atores e diretores seria a consagração,
para os improvisados atriz e diretor foi
a mais desconcertante derrocada.
Numa época em que cada vez mais se confunde ficção com realidade, fica a pergunta:
o que seria mais fácil? Fazer alguém considerado “normal” parecer psicótico
ou um psicótico parecer “normal” ?

terça-feira, 26 de abril de 2011

A FANTASIA REAL E O REAL NA FANTASIA


William e Katy - Getty Images


O mundo se prepara novamente para viver uma invasão da fantasia dos contos de fada na dura realidade de uma época marcada por escancaradas injustiças.  Ainda que seja um sonho que onere em milhões de libras o erário britânico às custas do contribuinte inglês. Talvez por isto mesmo seja tão imperativo sonhar.
Mas ainda seria compatível com as noções contemporâneas  de igualdade a simples ideia de que  a  maioria da população possa sustentar uma existência privilegiada, cercada de mimos e luxos como a dos soberanos ingleses? Também seria possível imaginar como plausível dotar toda sua família dos mesmos privilégios pela obsoleta justificativa de uma linha de sucessão baseada no sangue? Colocado desta maneira poderíamos até supor apressadamente de que falamos de uma daquelas inacabáveis ditaduras de países africanos ou asiáticos, cujas dinastias estão ameaçadas de deposição como efeito do que fomos levados a acreditar que é a mobilização de seus povos.
Estas suposições caem por terra, pois o país em questão é um dos mais desenvolvidos do mundo. E não apenas conformados a fazer disso uma tradição local com seu poderio econômico hipnotizam milhões de telespectadores para a contemplação de sua ostentação levada a níveis histéricos, mas retratada como bela e aceitável.
Na verdade, tal acontecimento coloca-nos a pensar sobre a validade de tais ideais a serviço de uma racionalidade que não possuimos. Aspiramos à igualdade, mas na intimidade desejamos ser reis ou rainhas. Estão aí as placas dos estabelecimentos comerciais por mais simples que sejam  a não nos deixar esquecer: “o rei do sanduíche”, “a rainha do aviamento”, “o príncipe dos colchões”... Também na cultura popular há referências às figuras nobiliárquicas pela consagração do rei Roberto Carlos, o rei Pelé, o rei Momo e os reis de Congado, só para citar alguns exemplos. Tais recorrências animaram certos monarquistas tupiniquins a propor sem sucesso a implementação do mesmo modelo no Brasil. Não há dúvidas de que a força atávica de um modelo de perfeição encarnado em reis e rainhas resiste até hoje. E é bem provável que nos remeta ao ideal de pai e mãe  que nos acalentou em nosso desamparo existencial.

Caberia então insistir na pergunta sobre quanto vale a fantasia para nos fazer acordar? Ou o que se perde ao fantasiar de forma tão desapegada de um mínimo de bom senso? Qual o quê! Não é a razão o mediador da prodigalidade que dá motivo e sentido à vida na coroa britânica e faz a alegria dos súditos.
Trata-se de um arranjo político que evitou o confronto com uma alternativa mais radical de rupturas indesejadas, mas que caiu no gosto popular. Hoje, serve de anteparo frente ao encontro amargo com o real da vida cotidiana. É também uma aposta imaginária na superação da mediocridade pela posse de bens caríssimos, padrões de vida elevados e por uma existência que não dependa unicamente de nossos limitados esforços, mas legitimado com o nascimento.
Quem não quer?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Um corpo não reconhecido



Passado o primeiro assombro dos que foram afetados pela tragédia, entram em cena  aqueles aos quais cabe fazer a higiene técnica do ocorrido: o preciso exame dos fatos por meio da classificação dos corpos, os detalhes eróticos da penetração da bala, o ângulo milimétrico do bem dotado calibre, a  profundidade e espessura do buraco a que todos nos precipitamos. Declarar a causa mortis,  requer precisão. A conclusão aos olhos de um leigo pode parecer que está esfregada na cara. Mas não, há uma vertente voraz da burocracia que clama por relatórios e pareceres embasados e só se justifica e se acalma diante das mais ínfimas descrições. Sórdidas? Talvez!
A perícia técnica ocupa o lugar da indignação e a minúcia obsessiva reconstitui o que restou do gozo mortífero que arrastou 12 crianças e deixou um rastro de perguntas a serem respondidas.
Ou não.
Batalhões de especialistas completam a exumação do fantasma redivivo. Seria o assassino um psicopata?  Psicótico, sociopata ou multinada? A disputa pelo diagnóstico apaziguador tira noites de sono de psicólogos, psiquiatras, criminologistas, e “achistas” convocados a nobre missão de aliviar a angústia coletiva. Entregam-se ao afã de colecionar passagens da biografia do assassino que comprovem a teoria já pronta e acabada. E talvez ponderem pela conveniência de  omitir certos detalhes para confirmar o que reza nos livros científicos.
A mensagem subliminar é que nada do que se passou nos  diz respeito. Estamos além da miséria humana ali representada, uma vez que  fomos todos nivelados a condição de víimas. E nossa técnica existe para nos redimir da monstruosidade que nos habita.
Entretanto, lá num lugar qualquer do IML do Rio de Janeiro. E futuramente numa vala comum já reservada, um corpo que pedia para ser lembrado num ritual sacro-profano de uma religião delirante. Dali talvez assistisse pasmo a toda estranha notoriedade em morte
que nunca obteve em vida.
Ninguém, entretanto, ousou reconhecê-lo de fato.  Nenhuma religião o salvou da crucificação coletiva. Ninguém ousou descerrar o véu diáfano da censura pública que lhe pesa, recobrindo a verdadeira face de sua identidade errante.  Ele que manifestou como último desejo  a honraria de ter seu corpo consagrado por um homem de Deus, sequer logrou o reconhecimento de  qualquer parente próximo.  Restou-lhe a maldição de ter de se   conformar ao julgamento de homens  impuros, como eu, que lhe frustraram o sonho de uma  epopéia heróica.

sábado, 9 de abril de 2011

Reunião na Sala dos Professores

(Cena da peça de teatro inédita “Pó de Giz” de Vladimir Riomar. Nada a ver com a tragédia de Realengo- RJ. Ou não...)
  • Gente, eu vou pedir muita calma.
  • Calma coisa nenhuma. Acho isso um absurdo. É caso de expulsão na hora!
  • Eu também acho!
  • É é isso mesmo!
  • Gente, mas é só um menino...
  • Não, não é coisa de menino o que ele fez, não!
  • Eu acho que dona Matilde foi humilhada por esse moleque.
  • Foi sim!
  • Se a gente deixar do jeito que está, vai ser um prëmio. Todos os outros alunos vão se achar no direito de fazer a mesma coisa.
  • A mesma coisa não vão fazer porque ninguém aqui vai ser bobo de aceitar nada desses meninos.
  • Mas a gente aceitava.
  • Na inocência... Quem iria de imaginar?.
  • Calma, além de dona Matilde, quem mais comeu, quero dizer, quem foi que aceitou bala do moleque ? (Duas professoras levantam os dedos timidamente, seguida por outras duas)
  • E daí, que que é isso tem a ver ? Poderia ser qualquer uma de nós.
  • É verdade!
  • Eu mesmo já estive muito próxima disso. É que eu não gosto de chupar balas antes do almoço. Me tira o apetite.
  • Pois eu muitas vezes aceitei. Por educação! Pra não deixar o aluno sem graça
  • É, a gente faz essas coisas para manter um laço de amizade.
  • Eu estou perguntando porque todos nós sabemos que uma das professoras tem disseminado esse hábito, não é mesmo?
  • Eu distribuo balas para os alunos para que eles se acalmem.
  • Eu mesma presenciei quase todo mundo aqui aceitando as balas da Professora Tänia.
  • Não tö entendendo... Quer dizer que a Tânia também...
  • Não, não, não! Não é isso que eu quero dizer...
  • Eu digo que ai...  É pinto e buceta?... tudo junto?..
  • Olha o linguajar, Raquel!
  • Quero dizer que vocês aceitam da professora Tania porque confiam nela.
  • Já entendi, houve uma quebra de confiança... Não se pode confiar nesses moleques.
  • Mas eu ainda perguntaria se alguém foi obrigado a aceitar?
  • Pelo amor de Deus! Eu não to entendendo. Se um moleque passa bala no pinto e se vangloria com seus colegas de que fez a professora comer, do modo como a professora achou gostoso. Eu pergunto se não é motivo suficiente para uma expulsão.
  • Não sei, estou confusa, qualquer que seja a decisão desse conselho temos de fundamentar muito bem....

terça-feira, 5 de abril de 2011

JOSÉ ALENCAR E AS LÁGRIMAS DE LULA

As redações dos jornais finalmente deram fim ao cabedal de matérias de pesquisa previamente elaboradas para o falecimento do ex-vice presidente José Alencar. Sua canonização do mesmo modo tambÉm seguiu seu curso previsível. Nada com o que se surpreender diante do ritual masoquista a que somos submetidos em circunstâncias como a que envolvem o enterro de um político com honras de chefe de estado.
Em nossa história recente vimos outros casos semelhantes como o de Vargas, Juscelino, Tancredo e outros tantos mais ou menos populares. No cipoal de curiosos, amigos, oportunistas, guardas presidenciais,  aspirantes a herdeiros e sobretudo políticos já estaríamos acostumados a este ritual se nenhum desses funerais talvez tivesse revelado emoção mais genuína que a de Lula. Suas lágrimas compungidas ao saber da morte e diante do caixão fizeram-me repensar sobre  o papel deste homem que se foi e lança também algumas luzes sobre o homem que fica.
Na condição de alguém que não possui qualquer parentesco com o ex-vice-presidente, Lula ultrapassou os limites do que se espera do cumprimento de um simples  dever de formalidade. Suas lágrimas vertiam muito mais que o sentimento pela perda de um aliado fundamental em sua escalada para a Presidência. Por mais que a imprensa insistisse em igualar a emoção de Lula a de  Dilma, algo nas lágrimas do ex-presidente assombravam as câmeras acostumadas a dureza e a falsidade. Como imaginar uma cena dessas no funeral de Aureliano Chaves, por exemplo? Lembram-se que o então presidente Figueiredo foi escorraçado do velório pela família do morto?
Lula que tantas vezes desqualificou a importância da herança que recebeu ao insistir  no  “nunca antes na história deste país”  parecia render-se ao reconhecimento de um pai. Pai é origem, é lei. A emoção do  ex-presidente revelou o sentimento de perda que só os filhos deserdados sentem. Perda do pai que foi capaz de fazer uma aposta em seu destino, ungindo-lhe de uma falta irreparável. Pai que o ex-presidente talvez nunca tenha tido de fato. Agora sim, nunca antes na história...

A DISCUSSÃO RACIAL PRECISA DE MAIS MASSA CRÍTICA


Nos ultimos dias dois personagens exemplares do que existe de mais nefasto na política brasileira ganharam uma projeção na mídia muito acima do mérito que tiveram em todo o período em que exerceram seus dispensáveis mandatos.  Julio Campos e Jair Bolsonaro, ambos  deputados do DEM, foram pegos em mais uma de suas declarações infelizes, mas com efeito certeiro na mídia.
Ao contrário das reações indignadas que sucitaram, desejo ponderar apenas que acho absolutamente natural que ambos os deputados expressem o que pensam, ainda que tais opiniões sejam contrárias ao padrão de ideias atualmente aceito. Isto é na verdade o que se espera de homens públicos que honram seus mandatos. O que me parece desproporcional É a cobertura que se oferece a algumas dessas espertezas calculadas para criar manchetes e promover mandatos. Sim, há muito que se sabe que falar bem ou falar mal de um político equivale a praticamente a mesma coisa. Quem não conhece o velho ditado:  “Falem mal ou falem bem, mas falem de mim” . Fixado mesmo na memória do eleitor comum, provavelmente o grande contingente que elege estes senhores, é apenas o nome do político num contexto de grande repercussão. Os demais eleitores provavelmente concordariam com suas ideias, ainda que não as defendessem publicamente. O que está em jogo não é a eficácia informativa daquilo que se noticiou, mas a seqncia  de processos desencadeada.
Há muito que a imprensa parece ter perdido a capacidade de distinguir o que É notícia  do que É marchandising. A entrevista do deputado Bolsonaro a um programa de TV, por exemplo, rende boas  audiências, vendas de jornais e revistas, além de prestígio aos produtores, exibidores, patrocinadores e toda gama de  interesses que gravitam em torno desse produto midiático. Trata-se tão somente de uma fonte de recursos que alimenta a outra, num processo contínuo e estéril para a verdadeira reflexão.Parece-me, portanto, inútil e ingênuo que segmentos supostamente críticos da sociedade se engajem nesse comércio de  factóides. Diria mais, acho que os representantes do povo deveriam ser estimulados a dizerem claramente o que pensam. Quantos não são aqueles que portam lindos discursos embrulhados em papel de presente, mas comportam-se exatamente ao inverso? Quem sabe assim não agregaremos mais massa crítica a discussão racial no Brasil? Só assim será possível superar o joguinho das sucestibilidades feridas a que o debate ficou reduzido.