domingo, 29 de maio de 2011

DSK: Antes e Depois



O ex-presidente do FMI Dominique Strass Kahn suscitou mais do que acaloradas discussões sobre seu comportamento. Também provocou um vertiginoso frio na espinha quando nos evoca o pior que há por dentro de cada um de nós.
A despeito da marcha inexorável da humanidade rumo a consagração dos direitos humanos, do politicamente correto, da inclusão das minorias eis que sobrevive do mais remoto das eras pré-colombianas o homem  neandertalês de nossas pulsões mais avassaldoras. E é bem aqui, do nosso lado, donde menos se esperava, elegantemente vestido e institucionalmente muito bem respaldado.
O que nos assombra é o que em outras circunstâncias deflagraria nossa risada mais sardônica numa explosão catártica reveladora da moralidade que ainda cultivamos sem querer. Trata-se da noção de continuidade lógica de nós mesmos, da esperança na linha precária que une nosso passado e nosso futuro numa sequência perfeita, previsível e, no caso de DSK,  muito bem sucedida daquilo que acreditamos ser.
Contemplar o rosto desfigurado deste homem que dias antes discursava confiante em comparação com sua expressão abatida e desolada pouco depois nos leva a imaginar o que se passou na cabeça deste homem que parecia sentir-se tão dono de si. Nada parecia fazê-lo perder seu rumo, exceto uma linda camareira.  O problema é que  é justamente quando nos sentimos mais sob nosso próprio domínio é que queremos também dominar o mundo.  Do mesmo modo, DSK  ousou desfraldar novos territórios de seu domínio colonial de origem, o econômico, chafurdando-se nas sendas desconhecidas do desejo e do coração de uma mulher que julgou ali à mão, fácil e disponível.
Teria caído numa armadilha de seus detratores ? Ou confiado em excesso no poder persuasivo de seu… poder?
A esta altura não importa. Fica a forte impressão de que o ato que se pretendia privativo do antes provável futuro presidente da França revelou-se muito mais emblemático de uma instituição e de seu modo de lidar com o poder do que seu próprio poder poderia fazer calar.  
Se o que resta desse intrincado processo tão estranho quanto típico de nossa era não nos remetesse num primeiro momento  a um apressado alento pela prevalência dos princípios civilizatórios leva-nos a pensar no quanto desse poder que se impõe pela força bruta conta com a  aquiescencia e o fascínio de todos nós que aspiramos instituições patriarcais em nome de uma suposta ordem político-econômica.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

BIN LADEN NÃO MORREU



De acordo com a crença difundida entre os seguidores de Alá e um forte incentivo para que homens-bomba se explodam em estilhaços de fervor religioso misturado com expectativas eróticas, até que se prove em contrário  haverá um déficit de virgens no céu nos próximos dias. Não bastasse o incrível e prematuro  desaparecimento das mesmas
em terra.

Enquanto isto, as teorias conspiratórias tentam imprimir alguma lógica no vazio e no caos. Em verdade, Bin Laden cumpriu seu destino. Candidato dedicado a martir de uma grande causa, arquitetou planos mirabolantes para a destruição  do ocidente judaico-cristão, mas o maior terror de todo mito está na banalidade das coisas mais comezinhas.

Como imaginar o grande inspirador de tantas idéias redentoras tendo de lidar com as  prosaicas tarefas do cotidiano  ? Lavar-se? Escovar os dentes? Defecar?  Como conceber por exemplo que a alma iluminada fosse lidar com uma violenta diarréia numa longínqua caverna nas montanhas do Afeganistão?
E seus seguidores ainda o seguiriam?

Bin Laden portanto não morreu, mas elevou-se a condição superior de um objeto de adoração. Mítico, fluido e suprahumano, mais compatível com a idealização de quem se coloca numa dimensão acima do comum dos mortais. Deste modo, todo vestígio se apagará de suas hesitações, possíveis crises de fé, de suas necessidades fisiológicas, de suas frustrações pessoais transformadas em
interesse coletivo.

Assim, restará  muitos outros em busca da grande causa.
A causa de tudo que macula, deforma e frustra a
narcísica perfeição projetada sobre o mundo.