quinta-feira, 16 de junho de 2011

O “Kit Gay” e o kit opinião.


Não tive acesso ao material que fazia parte do que o Ministério da Educação propunha para a inclusão da questão da diversidade sexual nas escolas brasileiras. Tenho acompanhado, incrédulo, o debate pelos meios de comunicação, já que cada qual se esforça em nos convencer de suas posições de um modo que ultrapassa a própria abordagem e se aproxima de um proselitismo constrangedor. O que me parece é que não é difícil encontrar pelas ruas ardorosos defensores de ambas as posições que também não chegaram a analisar o dito material. Portanto, não desejo me juntar a eles. Entretanto tenho algumas ponderações quanto ao mérito da questão.
Já há algum tempo, um cacoete tem sido assimilado entre os se querem bem-pensantes. Trata-se da ideia de que faltam políticas públicas para tudo, pois estas é que salvarão o mundo.
É evidente que durante muito tempo o Estado brasileiro foi omisso no que diz respeito a muitos aspectos da realidade social. A questão da segurança pública é fato quase incontestável. Quase! Não fosse o fato de que foi justamente por meio do Estado que a insegurança pública se consolidou. Pode-se dizer que na verdade havia sim uma política pública que induzia o crescimento e a disseminação da violência nas periferias das cidades brasileiras. Digo que foi pela incapacidade inerente do Estado de promover as medidas eficazes, de seu engessamento pelos artifícios políticos e sua estrutura burocrática que a violência se estabeleceu nesta dimensão em que  atualmente se encontra.
Pois bem, em relação a questões de cultura e comportamento social também se evoca o Estado na resposta que ele pode oferecer para assuntos como a mudança de mentalidades num tempo em que estão sendo estabelecidos novos códigos sociais em relação à sexualidade, às relações raciais e de gênero, à liberdade de expressão entre outras. Contudo, a discussão esbarra nas limitadas reflexões que a sociedade brasileira já foi capaz de fazer em seu tão recente retorno às liberdade democráticas no que diz respeito ao papel e as limitações que cabem ao próprio Estado.
Independente dos preconceitos relacionados aos gays e lésbicas que o debate atiça, sempre houve quem perguntasse se seria mesmo função do Poder Público abordar determinados assuntos cuja prerrogativa em outros tempos seria privativa dos pais. Colocado sob este ângulo somos convidados a pensar que de fato não há educação neutra. O Estado sempre terá um ponto-de-vista a defender, segundo seus interesses. Dar o consentimento para que o Estado desenvolva determinadas intervenções em nossa vida privada não é algo que significa que ele o fará sempre do mesmo modo. Vale lembrar que numa verdadeira Democracia os titulares do poder público  nem sempre são a expressão dos desejos e vontades de todos. O que também não significa que  a parcela minoritária  deixe de ter sua legitimidade contemplada. Num processo normal de alternância de governos nossa posição sobre determinado assunto pode ser minoritário, e no outro majoritário.
Nos EUA, durante o governo Bush, promoveu-se a virgindade e o criacionismo como políticas de Estado, até mesmo com o apoio da ala mais conservadora do partido republicano. Os tais  que não hesitam em repudiar as intervenções estatais na vida do cidadão.
No nosso caso, algumas perguntas se fazem necessárias, portanto:
1)    Em que momento este tema apareceu nos debates eleitorais de forma clara e transparente de modo que a população pudesse entender que implicações teria seu voto neste ou naquele candidato?
2)    Está claro para todos qual é a abordagem que se está defendendo?
3)    O kit deve ser dirigido apenas aos professores ou também aos alunos?
4)    Que tipo de formação o profissional escolar deveria ter para melhor se qualificar sobre o assunto?
5)    Que posicionamento de natureza ética estará envolvido?
6)    Como gerir o conflito com as minorias religiosas na escola?
7)    Haverá algum tipo de monitoramento sobre os efeitos do processo educativo na escola?
8)    Quem o faria?
9)    Quais os parâmetros?
10) Que tipo de realidade social deverá ser considerada para a adequação do conteúdo?
As fronteiras que delimitam os campos do público e do privado não são fáceis de serem demarcadas. São territórios que sofrem tensão permanente em nossa época especialmente, por isso requerem delicadeza e disposição para negociar. Nem um nem outro parecem confortáveis nos limites fronteiriços de suas capitanias hereditárias.
É obvio que nossas práticas democráticas ainda incipientes  têm muito o que aprender e este debate é uma oportunidade singular para seu amadurecimento. Destaco, no entanto, que o apelidado “kit gay” não deveria supor um “kit opinião” compulsório em anexo que tem sido imposto junto com uma discussão que exige reflexões mais aprofundadas e críticas, muito além do que permite o formato da disputa política a que o debate ficou relegado.

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