quarta-feira, 6 de julho de 2011

Motivos para Pânico fora da TV

Ultima foto de Ryan Dunn postada no Twitter


O nome do dublê e integrante do elenco da série de filmes “Jackass” chamou minha atenção há cerca de 2 semanas.  Li nos noticiários que ele havia falecido num acidente de carro pouco tempo depois de ter postado em seu Twitter uma foto em que bebia num bar na companhia de outros dois amigos. O termo acidente talvez  não seja muito apropriado se pensarmos na acepção de algo inesperado. A vida de um dublê significa desafiar o perigo de forma permanente.




No caso de Ryan Dunn  -este era seu nome - ele e sua trupe fizeram dessa forma de duelo  mortal com o bom senso um estilo de vida.  Ou de morte.  A primeira vez que os vi em ação foi no primeiro filme da série que se tornou um fenômeno de bilheteria nos EUA e no resto do mundo. 

Tratava-se de uma sequencia de mal gosto de cenas de ação em que os protagonistas submetiam-se, por vontade própria, a todo tipo de provas de resistência em  que os pontos altos eram  situações repetidas de quedas, colisões e pequenas automutilações.

“Brincadeiras” do tipo grampear o próprio saco na perna, deixar-se despencar morro abaixo de dentro de um carrinho de mão, além de ser coberto de merda preso num banheiro químico içado por um caminhão guincho são alguns exemplos de suas ações que fizeram as platéias ( e eles mesmos) contorcerem-se em gargalhadas mundo afora.

Embora pareça a expressão de um tipo de hostilidade contemporânea, em que estudantes fuzilam seus colegas em escolas, o fenômeno não é novo. O seriado clássico “Os Três Patetas, para ficar somente num exemplo, exibe há décadas com sucesso cenas dos três protagonistas estapeando-se e metendo os dedos nos olhos uns dos outros para a diversão ingênua de audiências familiares. Nos dois casos, há uma certa apologia da estupidez - - Jackass é um termo em inglês que significa idiota, estúpido, cara-de-pau ou similares. 


Poderíamos pensar numa forma de expiação sem causa aparente, numa época em que os valores que impingiam culpa parecem irremediavelmente desacreditados. A única referência de verdade é o corpo. Nele se depositam ou sobrevivem os restos precários de um simbólico que se esvaiu no concreto absoluto de nossa existência monetarizada. Assim, da tatuagem à escarificação é o corpo que é chamado a testemunhar os argumentos do viver que antes eram expressos pela religião, pelas artes ou pela moral.

Que os idiotas -que, diga-se de passagem,  sempre foram muito bem representados em todos os segmentos sociais, como no mundo das artes, da política, da religião e até mesmo da academia -  queiram ganhar a vida fazendo de suas mazelas motivo de riso não me surpreende.  Preocupante é que hoje são capazes de convocar uma legião de seguidores desiludidos com a racionalidade e suas promessas de redenção.

Se os derivados, inclusive os nacionais, como o Programa “Pânico na TV” se limitassem ao deboche das instituições e convencionalismos, tais como  a vaidade das celebridades e intelectuais, a roubalheira dos políticos etc, acho que lograríamos um passo a frente em nossa capacidade crítica.  Entretanto, o que de fato parece ter mobilizado  mais admiração é esse apêlo para uma pausa na razão ou a reivindicação do direito sagrado a ser estúpido, insensato ou simplesmente irresponsável. Ainda que por um tempo determinado.


O filme de Lars Von Trier, de 1996, “Os Idiotas”, captou de forma profética o fenômeno que agora parece consagrar-se fora das telas de cinema e imagens de TV. Para que a juventude possa sair da obscuridade de dublês que colocam o corpo no lugar de outros que realmente lucram com seu gozo masoquista a serviço de nosso sadismo, creio que valeria a pena pensar que projeto a sociedade reservou para os jovens.

Tomara que este intervalo na razão (será que podemos chamar de loucura?) seja tão curto quanto a vida de Ryan Dunn, morto precocemente aos 34 anos.






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