quinta-feira, 2 de julho de 2015

“Ninguém pode te fazer infeliz sem o teu consentimento”



Em tempos mais ingênuos de onde eu advenho, frases como  “Ninguém pode te fazer infeliz sem o teu consentimento” eram consideradas um tratado de infinita sabedoria.  Talvez não seja de tempos tão distantes assim. Ainda hoje há quem advogue em causa de que seja possível planar intocável por sobre o sumidouro social de hostilidades as mais diversas, gratuitas ou não, sem ser abatido em pleno voo.
Não é o caso deste cronista, espero. Entretanto fico mesmo intrigado com a  incrível multiplicação do que hoje em dia se considera ofensivo ou mesmo humilhante. Trata-se certamente de uma inversão extremada do que antes se considerava que “nada poderia afetar” desde de que se tivesse convicção de sua razão ou retidão de valores. Vale dizer  que em grande medida tal ideia  de ser invulnerável se apoiava num ideal de superioridade antiquada, expresso em frases como  “ O que vem de baixo não me atinge” .  Esse princípio, digamos, “ético” que considerava que certos segmentos não mereciam a devida atenção em seus baixos instintos e se esforçava em tratar suas maquinações persecutórias ou  arranjos que pudessem ser contabilizados como pura inveja no mais completo desprezo não se mostrava assim tão “nobre” ou generoso quando tinha oportunidade de se conflagrar nas mais banais ou cruéis vinganças.
O fato é que na intenção de disciplinar toda frágil suscetibilidade à normatização de uma justiça que anda de olho nos lucrativos dividendos das indenizações, indignar-se hoje em dia é muito mais que uma mera assertiva moral para ser socialmente admirada, mas uma obrigação inescapável de nossos tempos. Todos podem se considerar com motivos de sobra para se sentirem ofendidos pela simples razão de  um outro existir para desmentir sua ilusão de perfeição e felicidade, tão bem demonstrada no Facebook e outras redes sociais.
Sem querer entrar no mérito de discussões jurídicas como os conceitos de injúria, insulto, agravo etc, ficaria feliz se pudesse ainda viver em um mundo em que compartilhar pensamentos e opiniões não fosse tomado como  um ato de pura insensatez somente por ousar fazê-lo. Prefiro lembrar que humilhação possui um componente subjetivo que demanda uma confirmação social de algo que pode ter origem numa história muito, muito pessoal.  Não significa que toda humilhação deva ser desqualificada, tampouco confirmada, entretanto esse buraco que a lei hoje preenche tem feito calar muito mais do que poderia dizer dessa tendência contemporânea de produzir aos milhares  vítimas de forma automática.
Se todos tivermos que nos submeter  ao imperativo narcisista desse pacto onde todos querem ser reforçados como belos e infalíveis qual a possibilidade de encararmos de verdade nossos defeitos reais ou imaginários?

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