sexta-feira, 11 de março de 2011

A Encarnação da Musa Carnavalesca em Adriane Galisteu


Em geral, não sou dado a festividades, mas acabo me rendendo aos apelos visuais e eroticos que os festejos de momo franqueiam a todos, querendo ou não. Alguns conhecidos e mesmo amigos supõem que por ser negro e brasileiro devo de estar de prontidão para a folia imediata  ao simples soar de qualquer tambor, por mais mal tocado que seja. O carnaval é fenômeno essencialmente primitivo e evoca os movimentos de massas e há quem ache graça em se perder no meio de multidões enloquecidas a celebrar não importa o que.
Sambar algumas vezes me parece  um pula-pula desesperado de quem está com os pés numa frigideira quente e fez desse martírio uma arte satírica.  Desconheço estudos neste sentido, mas  há quem diga que o break nasceu da observação dos passos descompassados dos neuróticos da Guerra do Vietnam, que sofreram lesões neurológicas. Daí talvez a despropositada comparação.
 Nada disso entretanto importa. O que me fascina mesmo são as musas do carnaval. Elas são capazes de transformar qualquer crise epilética num movimento harmonioso e sensual. Seja lá que funções diferenciadas elas tenham, sejam rainhas de bateria, porta-bandeiras ou simplesmente musas, elas encarnam o que há de mais feminino e misterioso naquilo que é capaz de produzir hipnose coletiva. Mais do que isto, fazem justificar a marcha rumorosa da escola de samba para um destino imponderável, em direção a qualquer triunfo imaginário.
Impressionante este ano como mesmo as escolas fustigadas pelas chamas que incendiaram seus barracões passaram pela avenida (o sambódromo) como se cumprissem  uma missão divina. E pode-se dizer que algumas delas superaram suas adversárias que não tiveram o mesmo infortúnio. Nada confirmou as previsões pessimistas ( ou realistas) que poderiam atribuir às tragédias da região serrana um sobrepeso depressivo ( ou solidário) aos desfiles do carnaval carioca. Nada disso. O carnaval é um intervalo sem nexo com a história, que rompe a linearidade da vida comum. Algo que escande no tempo e no espaço finitos da existência previsível.

Por isso as musas se revelam  num papel tão relevante. São a eternização da juventude e do desejo.
Muito se discutiu sobre a razão pela qual se dá tanto destaque  àquelas que sequer fazem parte da chamada comunidade. Seriam oportunistas, no dizer de seus críticos, que  somente aparecem nas horas de folia. Nunca estão presentes no quotidiano que nivela a todos ao patamar do que é comum (daí o substantivo com pretensões de adjetivo: ¨comunidade¨).  Embora haja pessoas da comunidade que são alçadas a dimensão imaginária de uma condição de superioridade, parece-me que é justamente pelo caráter de algo inalcançável, do que se coloca distante e fugaz  que é possível consagrar-se uma musa.
Corpo malhado no ócio e não no trabalho, esguia e sinuosa  nos detalhes fatais em meio às gordurinhas alheias e branquela entre a turba crioula, Adriane Galisteu é um exemplo radiante do ideal encarnado na mulher.  Aquela que foi capaz de capturar o desejo de um grande outro vencedor, Airton Senna. Adriane uniu numa expressão sofisticada dois esportes nacionais: o dos motores potentes e fetichizados com o alpinismo social dos menos abastados, e fez de si uma marca daquela que alcançou por seus próprios atributos a ascensão e a evidência que
adormecem no íntimo de cada brasileiro e brasileira.
Pela pessoa de  Adriane Galisteu particularmente não nutro grandes simpatias, mas reverencio  sua competência em encarnar esse objeto a que move nossas ambições e nos faz delirar. Ainda que tudo se acabe numa quarta-feira de cinzas.

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