sexta-feira, 18 de março de 2011

LINGUA PRESA E LINGUA SOLTA - LULA, VICENTINHO E O REI


Minha mãe, que acha que tem a lingua presa e fala destacando pedagogicamente os esses, nos raros momentos em que os encontra, quer saber como Lula conseguiu ¨consertar a língua¨. A impressão que tem minha mãe não é desprovida de sentido. Também um contingente enorme de pessoas passou a entender o que antes parecia um defeito incorrigível para um Presidente da República um detalhe que se tornou irrelevante. Não foi porém o Lula quem ¨consertou a língua¨. Nós é que nos acostumamos com seu modo de falar.
Nada de mais se não fosse o poder um jogo de trava-línguas e enrola o pensamento. Lula para expressar o que pensava sempre desdenhou o  freiozinho natural localizado embaixo da língua. Desafiou o regime militar e cativou multidões, com um discurso ousado para uma época marcada por prisões e torturas.
Consagrou-se líder, chegou a Presidente da República. No cargo, descabelou seus assessores de imprensa com improvisos desconcertantes, e mudou o estilo sisudo da liturgia do cargo. Para seus críticos, cometeu excessos, falou demais quando poderia calar-se e tarmudeou quando deveria ser mais incisivo.  Com tudo isto, Lula jamais perdeu a oportunidade de discursar, mesmo quando era para anunciar que deveria ficar calado, como ocorreu durante a posse de Dilma. Ainda que fosse para atropelar as mais elementares normas gramaticais, fazendo o desgosto daqueles que fazem da concordância uma religião de discórdia e cultivam mais as línguas mortas que a palavra viva.
O que faz de Lula um orador com um talento natural não se explica por uma capacidade de juntar os esses na hora certa ou por uma dicção primorosa. Tampouco por sua capacidade de se fazer entender, uma vez que os discursos politicos cada vez mais se assemelham a arte do ilusionismo.
Neste contexto, torna-se ainda mais contrastante diante de nossa realidade o dilema do soberano inglês retratado no filme ganhador do oscar ¨O Discurso do Rei¨. Nele,  Geoge VI enfrenta um dilema por tentar corresponder ao padrão de qualidade dos oradores que o antecederam. Aqui, Lula parecia justamente tentar destituir seus antecessores a partir de um modelo rebaixado, mas condizente com as deficiências do povo pobre com o qual deseja se identificar.
Muito já se debateu sobre a frequente exaltação que o ex-presidente fazia de sua condição de homem pouco escolarizado. Lula certamente também viveu o dilema entre se descaracterizar, perdendo a identificação com o eleitor comum e aceitar as modificações que o permitiriam ser melhor aceito nos círculos da classe média e alta. 
As mudanças em sua aparência na eleição em que saiu vencedor, no entanto, não deixam dúvidas. Do metalúrgico de barba desleixada e maltrapilho, travestiu-se com os signos daquilo que corresponde a um profissional bem sucedido e próspero, com ternos bem cortados e dentição realinhada. Também poderia ter se empenhado em aulas de português e dicção e se submetido a intervenções cirúrgicas que poriam fim a seu sibilar característico, já que, ao falar, reemergia o antigo sindicalista de macacão e coturno surrados? Talvez, porém, o que seria dos humoristas que se tornaram sócios de sua promoção? Como fetichizar a pobreza?  E como estimular a culpa social da classe média pelos menos favorecidos?  Como fazer das razões que envergonham os pobres motivo de triunfo?
 Vicentinho, outro ex-sindicalista, também com sua ¨lingua presa¨ enveredou por caminhos inusitados: foi estudar, tornou-se advogado. Elegeu-se deputado, mas parece ter perdido o charme, a aura de autenticidade.
Tenho uma teoria: a grande sacada dos assessores de imagem de Lula, ainda que involuntária, foi justamente valorizar a mistura das desconjuntadas figuras numa alegoria única. Deste modo, satisfaz a ambas as parcelas do eleitorado.
Mistura no Brasil quase sempre dá certo!

PS: Dizem os especialistas, que ao contrário da crença popular, Lula não tem a lingua presa, mas sim solta. Segundo a fonoaudiólga e professora Léslie Piccolotto Ferreira ¨os leigos acreditam que o fenômeno se dê por estar a língua presa, mas na verdade o que acontece é o inverso: a língua está solta. Escapa por inúmeras alterações explicadas por aspectos hereditários ou adquiridos, como ser maior do que a estrutura óssea e/ou dentária (muitas vezes o indivíduo nasce com as características ósseas da mãe, no caso pequenas, e de língua do pai, no caso volumosa...) ou por não estar a musculatura tão firme quanto deveria ser (alimentação inadequada para a idade ou hábito como chupar o dedo).¨ Ver: http://www.terra.com.br/istoegente/183/saude/index.htm



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